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Lisboa vista da Quinta da Torrinha Val Pereiro, gravura de William James Bennett sobre desenho de L. B. Parlgns. Museu de Lisboa |
Ha poucos annos ainda a desigualdade e descommodo das suas ruas, era proverbial na Europa, e as novas idades, nada mais tinham corrigido á sua antiga irregularidade, senão os grandes melhoramentos e reformas que o terremoto de 1755 fez romper do genio poderoso do Marquez de Pombal.
Desde o grande homem para cá, em cem annos apenas ao fez o aterro da Boavista, importante melhoramento mas incompleto o acanhado e uma ou outro rua ou largo.
Em 1870, sendo ministro das obras publicas o sr. Joaquim Thomaz Lobo d'Avilla (conde do Valbom) foi por elle iniciado um projecto grandioso de um boulevard do Passeio Publico do Rocio ao Campo Grande, o que determinaria outras obras importantes aos lados d'aquella grande arteria.
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D. Fernando II, Uma vista do Passeio Público, Leonel Marques Pereira, 1856. |
Infelizmente as alteraçõea políticas quo promoveram a queda do gabinete do que fazia parte aquelle estadista, impediram a realisaçao d'aquelle projecto.
Pede porém a Justiça que se faça remontar áquelle ministro a idéa inicial deste melhoramento.
Tudo ficou em projecto e ninguem mais tivera o arrojo de dar á execução aquelle plano, quando em 1879 o sr. José Gregorio da Rosa Araujo, presidente da Camara Municipal, propoz á municipalidado a abertura de uma via pouco mais ou menos na direcção indicada no plano d'aquelle estadista, mas em menores proporções.
Feito o projecto e aprovado o plano. foram inaugurados os trabalhou a 24 de agosto d'aquelle anno, pela demolição do antigo theatro do Salitre (Variedades), como ao pode ver a pag. 138 e 140 do nosso 2.° volume, começando os trabalhos de movimentos de terra a 22 de outubro immediato.
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Teatro do Salitre (Variedades), 1879. O Occidente n° 99, 15 de setembro de 1879 |
Deu-se a essa nova via, que como se ver da planta a pag. 216 começa no antigo passeio do Rocio, o nome de Avenida da Liberdade. Com de largura 89m,50 terminando numa rotunda de 100m de raio, junto ao quartel de Valle do Pereiro.
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Planta da futura Avenida da Liberdade sobre o traçado de aguns arruamentos existentes,1881. O Occidente n° 99, 21 de setembro de 1881 |
D'essa rotunda partem symetricamente quatro ruas, sendo uma d'ellas a Avenida do Campo Grande.
Varias outras ruas preiteias ou perpendicular« á avenida completarão essa rede de communicações como a planta indica.
As linhas ponteadas mostram as antigas ruas e travessas, que hão de deaapparecer quando as construcções estiverem concluidas. Como ainda o não estão, não deixaremos de dizer com Victor Rogo alguma cousa contra os angulos rectos.
Estes são muito convenientes para a construcção e belleza das obras, mas para as comunicações mais rapidas o perfeitas não se devem desprezar as diagonaes, o que lembramos, porque só quem anda muito a pé sabe dar o valor a essa necessidade.
A obra da Avenida foi orçada em 475 contos de réis, excluidas as expropriações. D'estas, as que se acham já contractadas o realisadas, todas amigavelmente, importaram em 101 contos do réis, e as que devem realizar-se importarão em 200 contos, pouco mais ou menos.
Entre as obras complementares d'esse novo bairro avulta um mercado vasto e proprio de urna grande capitai, o qual embora hoje fique fóra do fóco da povoação mais densa, deve em futuro pouco remoto assumir toda a sua importancia, attenta a sua posição no ponto mais central da cidade, e em terreno onde se lhe podem dar á vontade todas as condições o vantagens quo a moderna scioncia exige.
A nossa opinião é que em projectos trama ordem se deve olhar ao futuro e não ao presente.
Os trabalhos já hoje executados em demolições, atterros, muros de supporte e de vedação, tem importado em 30 contos de réis, e estão sendo dirigidos pelo engenheiro o sr. Antonio Maria d'Avellar.
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Obras da Avenida da Liberdade, António Ramalho, 1881. O Occidente n° 99, 21 de setembro de 1881 |
Deve-se pois ao sr. Rosa Araujo, e ás municipalidades que tem gerido os negocios municipaes desde 1879, uma das obras mais importantes da capital que ao completará com o Bairro Camões anexo, inaugurado a 11 de junho do 1880 por occasião dos festejos do centenário do nosso épico e a que nos referimos no nosso n.° 62 d'esse anno [v. O Occidente n° 62, 15 de julho de 1880]. (1)
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Obras da Avenida da Liberdade, António Ramalho, 1881. O Occidente n° 99, 21 de setembro de 1881 |
Quando em 1879 a camara municipal de Lisboa inaugurava as obras da avenida da Liberdade pela demolição do velho theatro e praça do Salitre, houve muito quem duvidasse que essa obra se tornasse uma realidade e que tivesse um andamento regular, intendendo as grandes despezas que demandava, pelas expropriações que era preciso fazer-se e pelo grande numero de braços que era mister empregar-se, para a terraplanagem d'aquella enorme estrada.
Effectivamente a obra era tão arrojada para os recursos relativamente escassos do municipio, que se receiava muito pelo seu andamento e, ainda mais, pela sua conclusão.
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Lissabon von der Quinta da Torrinha - Val de Pereiro. Umgebunge von Lissabon. Aus der Geographischen Graviranstalt des Bibliographischen Instituts zu Hildburghausen, Amsterdam, Paris u. Philadelphia. Author: Meyer, Joseph (1796-1856) Society for the Diffusion of Useful Knowledge (Great Britain), 1844. Cabral Moncada Leilões |
Uma grande vontade estava, porem, empenhada n'esta empreza, e é de justiça que se diga que essa vontade de ferro, que vencia todas as ditliculdades, com uma idea fixa: a de promover todos os melhoramentos da capital tanto quanto fosse possível, era a do sr. Rosa Araujo, presidente da camara municipal, a quem Lisboa muito deve pelos melhoramentos que sob a sua administração licita se tem realisado.
A avenida da Liberdade, que assustava toda a gente, é já hoje um facto consummado, apesar de ainda não estar concluida.
As expropriações mais importantes já de ha muito se fizeram, e o grande quarteirão de predios que formava a praça da Alegria de baixo e o principio da rua do Salitre e a travessa das Vaccas, lai desappareceram, deixando em seu logar uma ampla arca, por onde já proseguem os trabalhos de terraplanagem, como se pode ver no primeiro plano da nossa gravura.
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Vale do Pereiro), estado actual das obras na Avenida da Liberdade, Ribeiro Cristino em O Occidente, julho de 1885. O Occidente nº 235, 1 de julho de 1885 |
O Passeio Publico do Rocio, que por tanto tempo resistiu ao cammartelo municipal, tambem desappareceu, deixando lugar á entrada triumphante da avenida com toda a sua amplidão, onde ha ar e luz e onde a população dc Lisboa já principia a gosar os seus belos effeitos.
As obras alli por conta da camara estão tomando mais desenvolvimento e a iniciativa particular vai completando o resto, com a construcção de grande numero de predios, alguns dos quaes já esperam pela avenida nas proximidades de Val-do-Pereiro.
A gravura que publicamos dá uma idea do estado das obras, mostrando a grande perspectiva que a avenida já apresenta olhando do norte para o sul. (2)
(1) O Occidente n° 99, 21 de setembro de 1881
(2) O Occidente nº 235, 1 de julho de 1885
Artigo relacionado:
Val de Pereira
Informação relacionada:
Frederico Ressano Gaecia (Lisboa, 1847-1911), biografia
Ressano Garcia (1847-1911): no Centenário da sua Morte
Ressano Garcia na colecção da Hemeroteca de Lisboa
Avenida da Liberdad'e, O António Maria, 28 de agosto de 1879
Uma grande figura desaparecida, Illustração Portugueza n.º 292, 25 de Setembro de 1911
Ruas de Lisboa com alguma história