segunda-feira, 26 de junho de 2017

O Grémio Artístico (7.ª exposição, 1897)

Diderot, fazendo uma critica de Salon no século XVIII, abençoava a memória do grande Colbert porque, — instituindo essa exposição publica dos quadros, excitara a emulação dos artistas, e preparara a todas as classes da sociedade, sobretudo aos homens de gosto, um exercicio util e uma recreação agradavel.

À passagem do comboio (imagem editada), José Malhoa, 1896 e 1905.
Imagens: Provocando, Paris 1900 L'Exposition Universelle

No seu tempo faziam as pastoraes de Greuze as delicias dos amadores e multiplicavam-se, deslumbrando a golpes de luz, as marinhas de Cláudio Vernet.

A instituição alargou-se, deitou raizes que foram brotando rebentos por toda a parte, mas nem sempre merecedores das bênçãos do illustre creador da Encyclopedia.

O nosso pequeno Salon, mais composto de "morceaux d'atelíer" que de grandes quadros, sempre vae servindo para excitar a boa emulação dos confrades pintores, mas é, entre nós, bem limitado o numero d’aquelles a quem, mesmo replecto d’obras primas, elle seria recreação agradavel. 

O dia da inauguração é sempre um grande dia, abafa-se nas salas de concorrência; mas uma dúzia apenas de visitantes examina os quadros. Uns rostinhos gentis, que por lá sorriem, teem para muitos olhos attractivo bem mais real que a pintura. Os grupos femininos observam-se e analysam-se, conversa-se, cada um no mundo a que pertence; espera-se a chegada das Magestades, todos desejando colher um doce sorriso da rainha; falla-se, discute-se um pouco d’arte, como de tudo o mais.

Grémio Artístico, 7.ª exposição, 1897.
Imagem: O Occidente N.º 665, 20 de junho de 1897

Nos outros dias a exposição está quasi deserta de publico. Artistas, reporters, algum critico, obrigados pelos interesses e exigências da profissão, formam a maioria dos habituaes frequentadores.

É na primavera que sempre se realisa a abertura dos grandes templos da Arte. Estão as almas dispostas para receber os mais doces influxos. As flores desabrocham por toda a parte onde existe um grão de terra e brilha um raio de sol, e nas retortas e cadinhos do laboratorio subterrâneo extrahem e preparam as delicadas essencias que nos offerecem nas taças artisticas das suas corollas. Uma embriaguez se espalha d’alegria e goso, canta-se o hosanna da vida, e os espiritos, entre amollecimentos de ternura e enthusiasmos de esperança, vão-se desprendendo e elevando para as serenas e luminosas alturas.

Este anno o nosso pequeno certamen artistico, celebrando-se mais tarde, coincide com o grande certamen de Paris, e ao mesmo tempo que nos é permittido exultar os esforços coroados dos mais modestos dos nossos artistas, poderemos também applaudir aquelles que, lançando voos largos, vão ao concurso internacional da grande cidade buscar a consagração do seu talento.

Tem plena confiança em si, e não se arreceiam da visinhança dos grandes nomes que attrahem todas as attenções, os que, apenas conhecidos n’um limitado centro, lá esperam obter um pouco de "succès". A obra d’um artista ignorado perde-se entre os milhares de quadros que, por circumstancias fortuitas, podem servir a fazel-o brilhar, ou a afogal-o em maior obscuridão n’essas exposições a que concorrem, n’um afan de celebridade, os mais laureados artistas do mun"do civilisado. A influencia da visinhança é decisiva sobre o effeito d’um quadro, uma anecdota a respeito de Turner na Royal Academy de Londres põe esta verdade em relevo.

Meio equivalente ao "jour du vernissage" em Paris, é o primeiro de maio em Londres, dia de "private view". O publico só é admittido á exposição depois do meio dia, e até então permitte-se aos expositores o retocarem as suas télas, já dependuradas no logar que lhes pertence nas paredes. O notável artista inglez era pouco amavel para com os seus collegas. Durante os dias d’arranjo não puzera pé nas salas, para onde tinha enviado uma paysagem muito socegada, clara, tranquilla d'effeitos e de linhas. Dois outros pintores apressaram-se em collocar os seus qundros á direita e á esquerda d’uma obra de tão modesto aspecto, mas que pela celebridade do auctor devia attrahir a attenção geral. Turner, chegando no dia primeiro de maio, ás seis horas da manhã, á exposição, e, vendo o auxilio prestado pela sua paysagem aos visinhos, pegou nos pincéis e transformou-a completamente. Cavou-lhe sinistros valles, incendiou a neve dos cimos com a fulguração dos relâmpagos, movimentou n'ella figuras espavoridas. E á medida que do seu pincel terrivel sahia uma lucta vio'lenta de luz e sombra, o Terror e a Piedade, as obras dos seus visinhos, pareciam desbotar e evaporar-se no medíocre e no ridículo.

Malhôa, entrando resolutamente no Salon este anno, não receiou visinhança que o prejudicasse e os seus "Potiers" chamaram a attenção sobre o seu nome, triumpho tanto mais lisongeiro e honroso para nós quanto elle é um verdadeiro e genuíno pintor portuguez.

Não cursou as escolas, nem frequentou os ateliers extrangeiros, foi sempre o nosso bello sol que dourou a sua paleta, os nossos typos que elle estudou, e ao seu esforço perseverante, ás brilhantes qualidades do seu espirito, á sua vontade energica deve o que tem conseguido.

Offerece-nos a exposição do Grémio Artístico, n’uma téla pequena "Os oleiros" a reducção do quadro que enviou ao Salon dos Campos Elysios, em que, até hoje, nunca reclamara entrada, e onde o acolhimento feito pela critica a este extrangeiro que se apresenta sem mais recommendação que o seu proprio valor, é bastante agradavel para o artista e para o nosso orgulho nacional.

Rocheblanc, na Independence Belge de 24 d’abril cita o quadro de Malhôa com as seguintes lisongeiras palavras:


"Non moins verveux mais beaucoup plus fondu de pâte et harmonieux d'accent, est le morceau des "Potiers" de Mr. Malhôa, de Lisbonne. L'autorité, la puissance. respirent en cette page, qui semble écrite dans un coup d'improvisation, tant elle est décidée, et qui n'en a pas moins toute la saveur e la force douce d'un Velasquez."

A conhecida revista franceza L’Illustration, que annualmente publica um numero especial, consagrado ao Salon, em que reproduz pela gravura alguns quadros, escolhidos entre os mais interessantes dos milhares que n’elle se expõem, colloca n’essa escolha o quadro de Malhôa, que Alfredo de Lostalot fazendo a critica geral da exposição apresenta como um "savoureux morceau de peinture", "Les châtaignes" Sousa Pinto, que também lá se encontram, citadas como quadro de mestre, fizeram-me mais uma vez lamentar a falta que as telas d’este illustre artista fazem nas nossas exposições tão modestas.

Les chataignes [As castanhas], Souza Pinto.
Imagem: Catalogue officiel illustré de l'Exposition décennale des beaux arts de 1889 à 1900

Salgado, enviou a Paris o seu magnifico retrato de "Antonio Cândido" e este anno falta na exposição do Grêmio Artistico, a que tem concorrido sempre.

Retrato do conselheiro Antóno Cândido, Veloso Salgado.
Imagem: Wikiwand

Vários outros artistas, pintores e esculptores se distinguem no Salon, mas como todos sabem que ninguém é propheta na sua terra, todos mais ou menos desdenham o pequeno concurso nacional, que assim carece d'um grande numero dos melhores ornamentos que poderíam animal-o.

A nossa exposição não apresenta uma obra que produza excepcional sensação, contém um pouco de tudo, de bom e de mau, segundo o costume; quanto ao mérito dos expositores não chegarei a dizer quaes são os que teem um real talento, e quaes os que o não teem, seria necessarrio para isso, como diz um critico consciencioso, ter juizo impecável e coração de bronze e eu, também como esse critico, não possuo nem um nem outro.

II 

José Malhoa

Graves questões que se levantaram entre os artistas e agitaram vivameute e o animo de todos quantos se interessam por coisas d’arte, roubaram á exposição d’este anno o concurso d’alguns pintores e um tanto d’attenção. Outros ha que, não sentindo coragem para soffrer as agruras da critica, faltam também, e estes fazem mal, pois é luctando que se vence, e todo aquelle que sente em si alguma coisa não deve acobardar-se porque, tarde ou cedo, conquista o seu logar.

Oleiros, José Malhoa, 1896.
Imagem: Provocando

Nunca me cancei de applaudir em Malhôa a sua orgulhosa resistência d’energico trabalhador, a quem as investidas, justas ou injustas, da critica só produziam a vontade de trabalhar mais e melhor. Grande qualidade, que dá a quem a possue o triumpho certo.

Expõe, este anno, retratos e, além dos "Oleiros", outros quadros de genero bem interessantes.

"O primeiro melão" tão formoso de luz e d’espirituosa malícia, dá-nos um bom burguez gosando, por sorridentes pomares, do bem estar conseguido á custa de muita canceira. Frescas roupas, largo chapeo, e elle, que já de longe se alegrava contemplando a sua bella macieira, está em delicias aspirando o perfume do primeiro melão maduro que, regado por um bom copo de palhête, será o melhor prazer do seu jantar.

O primeiro melão, José Malhoa.
Imagem: Branco e Negro, 17 de maio de 1897


"A passagem do comboio" é uma animada scena, tão frequente, a que o pincel de Malhôa apanhou em flagrante toda a vida e intensa expressão d’alegria expontânea.

À passagem do comboio (imagem editada), José Malhoa, 1896 e 1905.
Imagens: Provocando, Paris 1900 L'Exposition Universelle

O comboio foge rapidamente e o rapazio, que correu ás barreiras a vel-o passar, ainda não acabou a esfuziada de gritos e risos; teem todos o gesto animado das grandes occasiões, um lança a perna sobre o ripado, agita-os um extremecimento de vida, só a rapariguinha que traz ao collo a irmã pequenina, conserva a attitude socegada de quem, tendo um dever a cumprir, não pode deixar-se arrebatar por enthusiasmos.

outras obras
cf. Catalogo illustrado da 7ª exposição de arte promovida pelo Grémio Artístico em 1897

Retrato da M.me A. W. (Ada Weinstein);

Retrato de Mme Ada Weinstein, José Malhoa, 1897.
Imagem: MatrizNet

Retrato de M.lle R. [Luisa Relvas, 1896?]; A torre da cadeia (Figueiró dos Vinhos); A casa d'Affonso (Figueiró dos Vinhos).

Casa d'Affonso, José Malhoa, 1896.
Imagem: Cabral Moncada Leilões

João Vaz

Vaz apresenta a marinha que enviara á exposição de Berlim. É "No Tejo" á tarde, junto a Xabregas; as aguas serenas, d’uma bella transparência á luz mansamente acariciadora dos raios obliquos do sol.

No Tejo, João Vaz,  1897.
Imagem: MNAC

Um grande barco abandonado, embalando-se ao de leve, e, no primeiro plano, um barco pequeno, onde uma mulher, de pé, está fiando. Para além, na outra margem, a azulada serrania de Palmella, no conjuncto um tom de melopeia suave, calmante.

A "Chegada dos barcos" (Nazareth), é por uma formosa tarde. Os bateis na praia, vae o peixe á lota. Agitam-se grupos de pescadores, interessados no leilão da pescaria; alguns barcos partem. Uma pittoresca scena, muito bem observada.

"Efeitos de neblina" (Foz do Arelho). Tem um ar sinistro este pedaço, a que se liga uma tradição de naufrágios. Dunas á esquerda, e o mar espreguiçando-se com traiçoeira indolência pela areia. Uns grupos de mulheres esperam, talvez, a volta d’algum barco. A neblina envolve tudo, esfuma as figuras, vela o horisonte.

No "Porto de Faro", alegre mancha, grupo de barcos, alguns cortando as aguas, em que passa um ligeiro frémito de brisa.

Arte Pintura GA7 João Vaz Porto de Faro.
Imagem: Branco e Negro, 17 de maio de 1897

Vaz tem na retina impressos tal numero d’aspectos fluviaes, que lhe basta cerrar os olhos para entrever uma multiplicidade d’encantadoras esquísses que, passadas á téla, não precisam d’assignatura para se conhecer o auctor. 

E encontramol-as todas, sorrindo com o mesmo ar de placidez, pelas salas do Grémio.

outras obras
cf. Catalogo illustrado da 7ª exposição de arte promovida pelo Grémio Artístico em 1897

Cahir da tarde (Xabregas); Corroios.

Carlos Reis

Uma bella paysagem de Carlos Reis, incomparavelmente superior á banal prova que apresentou no concurso que lhe deu um logar na academia, é um dos melhores ornamentos da exposição.

Fogosamente tratada pelo nervosismo do pincel de Reis, tem essa expressão sentida d’um bocado da natureza interpretado, e não copiado, que nos prende e nos inquieta com um segredar de vida, que mesmo involuntariamente se escuta. 

Uma olaia em flor, uma nesga de Tejo, em frente da Tapada, e, no primeiro plano, uma mulher trazendo um feixe de erva á cabeça. Bello pedaço colhido n’um momento d 'inspiração.

Olaia em flor, Carlos Reis.
Imagem: Branco e Negro, 17 de maio de 1897

outras obras
cf. Catalogo illustrado da 7ª exposição de arte promovida pelo Grémio Artístico em 1897

Costumes da Normandia (estudo para o quadro "Sol posto" actualmente em exposição em Dresden); Ao lusco-fusco; Depois da trovoada.

José de Brito

José de Brito, que hoje occupa um logar de professor na Academia de Bellas-Artes, do Porto, prova-nos com as suas remessas, que continua empregando no trabalho o melhor do seu espirito, serio e dedicado á sua arte.

"O Avarento" um pedaço solido de pintura; apresenta-nos um typo de velho e rico judeu, num cubiculo antiquado, examinando, á luz de antigo candieiro de latão, as preciosas gemmas do seu thesouro.

O avarento, José de Brito.
Imagem: Branco e Negro, 17 de maio de 1897

Muito bom desenho, e uma bella distribuição de luz. Se não causa extraordinária sensação, o olhar demora-se a gosar da perfeita harmonia d’esta composição bem estudada.

"Carmen" é uma ledora de buena-dicha a que Brito deu umas linhas plasticas correctamente lançadas na téla. Inquietam mais os seus olhos, de que todos os sortilégios que vão sair-lhe das cartas.

Manuel Henrique Pinto

Henrique Pinto expõe um feliz episódio rústico — "As melancias" um tanto á maneira de Malhôa.

As melancias, Manuel Henrique Pinto.
Imagem: Branco e Negro, 17 de maio de 1897

Duas mulheres, em pleno campo cheio de luz, e uma opulenta macieira. Uma das mulheres, de pé, experimenta a rigesa d’uma melancia, e a outra, que é a melhor das figuras, curva-se para colher o frueto. As figuras teem expressão e graça. É um alegre e pittoresco quadro.

outras obras
cf. Catalogo illustrado da 7ª exposição de arte promovida pelo Grémio Artístico em 1897

O Nabão em Thomar

Margens do Nabão



João Galhardo

Interessante apesar de certos senões é a grande paysagem de Galhardo "Terras d'Azoia" (Valle de Lobos).

Terras d Azoia, João Galhardo.
Imagem: Branco e Negro, 17 de maio de 1897

Aqui está um que não desanima; tateando ainda a sua vocação definitiva, tem arrojo e energia que o não deixam sossobrar. Alguém lhe negou já qualidades de paysagista, mas tenho visto d’elle estudos de paysagem que, ainda melhor que os seus quadros acabados me provam que elle possue bem d’essas qualidades.

"Terras d'Azoia" tem muito boa perspectiva e um fino colorido. O ar da manhã bafeja humidamente o arvoredo de que o verde sorri aos primeiros raios de sol.

A "Cabeça de velho" — é um bom estudo e tem caracter a maneira porque estão tratados os retratos que expõe.

Cabeça de estudo, João Galhardo.
Imagem: Branco e Negro, 17 de maio de 1897

outras obras
cf. Catalogo illustrado da 7ª exposição de arte promovida pelo Grémio Artístico em 1897

Retrato do Ex.mo Sr. [...]

Columbano

Columbano no meio das preoceupações da lucta, que pela sua justiça sustenta, teve força para nos proporcionar o prazer de contemplar-m’os uma collecção dos seus extraordinários retratos.

O de "João Rosa" — que tantos elogios obteve na exposição de Berlim.

Retrato do actor João Rosa, Columbano.
Imagem: Ruas de Lisboa...

Os de "João Barreira" e "Arthur Lessa" de uma admiravel finura d’execução.

O de "Raul Brandão", trabalho delicado e forte, que representa vivamente o modelo com o accento de verdade d’um Keiser.

Entre os últimos trabalhos de Columbano é este um dos que mais me tem impressionado, e elle só bastava para representar na exposição o valor artístico do auctor. "A ceia da velha" também me fez lembrar os bons mestres hollandezes. Que espirituosa bonhomia n'aquella cabeça tão admiravelmente modelada. 

"A luva branca" com menos expressão, tem igual finura de pincel e intensidade de desenho. Os retratos de "Lopes de Mendonça" e "D. João da Camara" completam este grupo de personalidades, animadas todas por um toque de vida que as faz moverem-se na téla, fitar-nos, seguir-nos, transmittir-nos pelo olhar tanto do seu pensamento, do seu intimo, que parecem reaes, a espreitar-nos pelo postigo das molduras.

A obra de Columbano que na exposição tem levantado em volta seu nome maior coro d'elogios, o "Consummatum est", não me põe d'accôrdo com o geral enthusiasmo. E um trabalho d’improvisação e não um trabalho de meditação e d’estudo. Satisfaz ao intuito que moveu indubitavelmente o auctor ao concebel-o, mas não satisfaz como obra d'arte. Tem a decisão, mas também a incorrecção de todos os improvisos, que sempre obedecendo á violência d’uma inspiração, raramente são tocados pelo sopro do genio.

Consummatum est, Columbano.
Imagem: Branco e Negro, 17 de maio de 1897

A cabeça de Christo exprime bem a resignada angustia d’uma victima em holocausto, mas não encontro n'elle a verdade anatômica que tenho ouvido apreciar-lhe. Não é banal porque a banalidade não desmerece nunca os trabalhos de Golumbano, mas é imperfeito, e inferior a muitas obras de pequena "allure" do artista. Com a minha habitual franqueza não hesito em manifestar ao artista e ao amigo uma opinião que discorda tanto do que a critica geral tem dito sobre o "Consummatum est".

outras obras
cf. Catalogo illustrado da 7ª exposição de arte promovida pelo Grémio Artístico em 1897

Magdalena.

Jorge Colaço

Um artista que, embora esteja longe de chamar-se completo, tem bastante "pelve" e uma certa originalidade atravez das suas faltas e grandes incorrecções de desenho, Jorge Colaço, apresenta, pela primeira vez, no Grêmio Artístico, trabalhos que quebram, pelo assumpto, a monotonia da exposição.

O esboceto "D. Sebastião em Alcácer Kibir", apesar d’incorrecto, é animado, e o grupo de combatentes, onde figura, brandindo furiosamente a espada, o infeliz monarcha, que a lenda poetisou, tem bastante expressão. A composição levanta no espirito uma vaga ideia d’essa lucta desordenada e fatal.

"O baptisado arabe" representa uma scena de costumes populares marroquinos, que se filia n'uma outra de que irei buscar a Edmundo Amicis a pittoresca descripção: "Eram doze soldados d'alta estatura com o "fez" em bico, e uma capa branca, os caftans variegados, azues e vermelhos, e entre elles um rapaz vestido com uma elegancia femenil, filho do governador do Rif. Alinhavam-se ao sopé dos muros da cidade, voltados para a rampa; o filho do governador, no meio, erguia a mão e arrojavam-se todos juntos á carreira. Nos primeiros passos havia um pouco d'incerteza e alguma desordem. Depois aquelles doze cavallos unidos, desenfreados, a toda a brida, não formavam já senão um só corpo, um monstro furioso de doze cabeças e de cem cores que devorava o caminho. Então os cavalleiros, pregados na sella, com a fronte erguida, a capa ao vento, levantavam as espingardas acima da cabeça, apertavam-nas aos hombros com um movimento convulso, disparavam-nas todas ao mesmo tempo, soltando um urro de triumpho e desappareciam numa nuvem de pó e de fumo. Poucos minutos depois voltavam atraz lentamente, em desordem, com os cavallos cheios d'espuma e de sangue, os cavalleiros n’uma attitude firme e soberba, e ao cabo d’alguns minutos recomeçavam. A cada nova descarga, as mulheres arabes, como as damas dos torneios, saudavam o esquadrão com um grito que lhe é proprio, e que é uma repetição rapidissima de um monosyllabo, "Iu", semelhante a um trilho agudo d’alegria infantil."

Baptizado árabe, Jorge Colaço.
Imagem: Branco e Negro, 17 de maio de 1897

A cor local que distingue os trabalhos de Colaço desperta o desejo de que elle complete a sua educação artistica. E das obras que expõe a melhor executada é "España y sus cantares", figura de mulher dada com expressão e sentimento.

outras obras
cf. Catalogo illustrado da 7ª exposição de arte promovida pelo Grémio Artístico em 1897

Philosofo arabe; Tocador de "gembri"; Mendigo preto.

Almeida e Silva leva-nos "Ao lar do avôsinho"  d'uma rapariguinha apresentada com primores d’execução que muito o distinguem. Ha no quadro uns effeitos de luz admiráveis, que chamam sobre elle irresistivelmente a attenção. 

A composição tem um certo acanhamento, mas estão muito bem achados os planos e os valores do desenho. E um interessante quadrosinho de genero, que honra o artista portuense.

João Ribeiro Christino

Encontra-se bastante verdade nos "Moinhos á beira mar", quadro de Christino da Silva, artista que se distingue pela sua muita illustração.

Moinhos à beira mar, Ribeiro Cristino.
Imagem: Branco e Negro, 17 de maio de 1897

outras obras
cf. Catalogo illustrado da 7ª exposição de arte promovida pelo Grémio Artístico em 1897

Ruinas da alcaçova do castello de Lairia [aguarela]

Arthur Mello expõe dois retractos de seductor aspecto pelo brilho nacarado dos tons, mas estão pouco modelados, e a carnação em demasia rosada, não é verdadeira. Vários outros artistas como Conceição Silva e Santos Junior, a quem não falta mérito, concorrem á exposição, mas entre os seus trabalhos nada encontro que sobresaia na gamma monotona do habitual.

III

Na sala destinada aos desenhos e aguarellas occupa o devido logar d’honra o grande quadro de sua magestade El-Rei. E embora não seja peccado forte em mim a lisonja, não posso deixar de louvar a maneira delicada porque o sr. D. Carlos honra os artistas do seu paiz, acompanhando-os annualmente na exposição dos seus trabalhos. E, como de costume, a obra que sua magestade este anno apresenta não é simplesmente uma distracção real, mas uma verdadeira obra d’artista que estuda, procura vencer difficuldades, e o consegue quasi sempre felizmente.

O "Pôr do sol" a que póde notar-se pouca fuga d’horisontes e uma certa opacidade na espuma que resalta nas rochas, é um trabalho arrojado, de bastante mérito pala interpretação e execução. O sol mergulhando no oceano deixa no ceu listrões esbraseados e atira pedras preciosas á ondulação das vagas.

Um formoso estudo de poente, feito a pastel por mão experimentada d’um observador que sabe ver e sentir.

Roque Gameiro

Encantadoras as aguarellas de Gameiro, que de anno para anno apparece mais primoroso aguarellista. Como gosto das duas paysagens da "Costa de Caparica", aspectos da vida maritima tão pittorescamente revelados.

Na primeira, aquella mulher que prova a caldeirada junto da cabana, onde virão d’ahi a pouco procurar abrigo os que andam correndo os riscos da pesca. O verde baço das piteiras mancha a brancura do areal que se estende ao encontro do espreguiçamento das aguas.

Bellas Artes, 15, Costa de Caparica, A. Roque Gameiro, Paulo Emílio Guedes & Saraiva
(cf. original de 1897 ref. em Branco e Negro, 17 de maio de 1897).
Imagem: Delcampe

Na segunda, um pescador concerta as redes, entretendo as horas de repouso das fainas do mar. Por detraz das cabanas dois saveiros, encalhados, levantam as grandes pontas de crescente. Uma piteira em flor, soberbamente decorativa, corta o horisonte com o seu perfil.

Bellas Artes, 16, Costa de Caparica, A. Roque Gameiro, Paulo Emílio Guedes & Saraiva
(cf. original de 1897 ref. em Branco e Negro, 17 de maio de 1897).
Imagem: Delcampe

O defeito de Gameiro é ser um pouco frio; porque não aquecerá elle a paleta, enriquecendo-a com uns tons fulvos, que dariam mais ardente vida ás suas producções tão bellas?

outras obras
cf. Catalogo illustrado da 7ª exposição de arte promovida pelo Grémio Artístico em 1897

Pombinhos; Coquetismo;

Coquetismo, Roque Gameiro .
Imagem: Branco e Negro, 17 de maio de 1897

Estudo.

Alfredo Guedes expõe dois excellentes estudos a aguarella "De volta do passeio" e "Pescador" ambos de largo desenho e grande frescura de tintas. O desenho d’este artista é robusto como o seu pulso e solido como o aspecto da sua própria figura. Modesto em extremo, Alfredo Guedes, applica-se extraordinariamente ao estudo, revelando uma grande força de vontade. Como lhe não falta talento deve confiar no futuro.

Pescador (estudo), Alfredo Guedes.
Imagem: Branco e Negro, 17 de maio de 1897

Alfredo Moraes também apresenta um "Costume hespanhol" bem estudado, mas o seu "Retrato de Mercedes Blasco" é imperdoável. Quando se escolhe para assumpto uma estrella é necessário apresental-a brilhante, sob pena de ridiculo. Moço sonhador, de boa vontade e muita inexperiencia, este artista possue qualidades que o estudo e applicação ao trabalho devem aperfeiçoar.

Costume hespanhol, Alfredo de Moraes.
Imagem: Branco e Negro, 17 de maio de 1897

Completavam a sala alguns desenhos a carvão e a pastel, e trabalhos d'arte applicada na sua maior parte devidos a amadores.

IV

É numeroso o grupo feminino que concorre á exposição, e n’elle avultam entre as mais distinctos amadoras, varias discipulas de Malhôa. 

D. Maria Augusta Bordallo Pinheiro, que possue talento á altura do seu nome, sendo uma distincta artista, limita-se a expor modestamente umas "Rosas".

D. Josepha Greno espalha pelas salas profusamente, rosas, lilazes, papoulas, malmequeres e amores perfeitos, depois, entrando nos dominios de Pomona, offerece-nos morangos, cerejas e outros fructos apeteciveis, mas alguns d’estes trabalhos são menos felizes do que outros, anteriores, que lhe fizeram uma merecida reputação.

Entre Rosas, Josefa Greno.
Imagem: Branco e Negro, 17 de maio de 1897

Mademoiselle Zoé Wauthelet faz-nos indignar ante o seu "Quem espera desespera" contra o deshumano que assim esquece a protogonista de tão bonito quadrosinho, e mostra na "Barrella" muito apreciáveis qualidades d’observação e de estudo, e bastante justeza de colorido.

A barrela, Zoé Whauthelet.
Imagem: Branco e Negro, 17 de maio de 1897

D. Virginia Santos em "Um caso complicado" abre-nos o modesto atelier d’um reparador do desastres cerâmicos onde com prazer vemos o consciencioso artifice resolvendo difíiculdades. Não desmente esta senhora o talento de que já nos tem dado provas.

Um caso complicado, Virginia Santos.
Imagem: Branco e Negro, 17 de maio de 1897

D. Laura Sauvinet [Bandeira] apresenta-nos, com muita mestria, "Wagner no seu atelier"

Victor Wagner no seu atelier, Laura Sauvinet Bandeira.
Imagem: Branco e Negro, 17 de maio de 1897

e D. Branca Assis na "Tia Aurelia" um bom estudo de velha. 

A tia Aurélia, Branca Assis.
Imagem: Branco e Negro, 17 de maio de 1897

A condessa d'Alto Mearim, consagrando os seus ocios fidalgos ao cultivo da arte, dá-nos em "Soror Mariana" um dos seus delicados pasteis.

Soror Mariana, Condessa do Alto Mearim.
Imagem: Branco e Negro, 17 de maio de 1897

D. Emilia dos Santos Braga, apresenta vários trabalhos como "Adormecida" e "Bolas de sabão" que confirmam a sua aptidão artistica.

Bolas de sabão [Fazendo bolas de sabão], Emilia Santos Braga.
Imagem: Cabral Moncada Leilões

D. Fanny Munró continua dedicando-se conscienciosamente ao estudo de Marinhas.

Varios outros nomes femininos firmam graciosos estudos, pequenos quadros, e mesmo retratos, e se em alguns dos seus trabalhos ha um tanto de puerilidade que os devia fazer joeirar mais miudamente n'uma exposição d'artistas, nem por isso deixarei de louvar todas as que dedicam um bocadinho do seu coração á arte.

V

Teixeira Lopes

Teixeira Lopes enviou do Porto o seu explendido grupo "A viuva" uma joia da nossa arte moderna. Ha tão dolorosa angustia na physionomia da pobre resignada ao estender os braços ao filhinho, unica consolação que lhe resta, que só uma alma de poeta assim podia comprehender e traduzir aquella dor.

Expõe também, obra de grande mestre, o modelo para uma porta em bronze da "Igreja da Candelaria do Rio de Janeiro". Tendo d’harmonisar com o estylo geral do edifício é toda em rocaille, ornamentação que pela graça e elevação das fíguras com que a decora, consegue tornar grandiosa.

Completam a sua exposição dois bustos de senhora e um adoravel "Bebé" em mármore. Esculptor delicadissimo, o grande artista; nas suas mãos a pedra suavisa a natural duresa para transformar-se em maravilhas. São d’um intellectual gozo extraordinário os momentos passados na contemplação dos trábalhos do grande esculptor portuense.

Acompanhando seu filho, que foi também seu discipulo, José Joaquim Teixeira Lopes, expõe um "Christo" em bronze, d'uma artistica correcção de linhas e modelação perfeita.

Um outro esculptor portuense, que, também como Teixeira Lopes, recebeu lições de Soares dos Reis, Augusto Santo, expõe um acadêmico "Ismael" e um gracioso "Busto de menina" em bronze, muito bem executado, e que é realmente um trabalho interessante.

A esculptura, ainda assim limitada, póde considerar-se um dos maiores attractivos d’esta exposição.

VI

A arte floresce entre nós bem timidamente, não lhe corre favoravel esta época de "détresse" moral e material que atravessamos; mas todo o esforço feito para a animar é util, mesmo quando se sente e conhece que d'esse esforço pouco resultará.

Soldado de Caçadores n.° 4 da Beira (1808), Ribeiro Arthur.
Catalogo illustrado da 7ª exposição de arte promovida pelo Grémio Artístico em 1897
Imagem: Pinterest

Se, d'entre a pobreza dos terrenos gelados, uma florita surgindo faz palpitar d'alegria o tranzido caminheiro, nós não podemos deixar de alegrar-nos quando algum rebento da ideal flor de grato perfume, surge a consolar-nos a alma. Não são para nós os jardins opulentos onde crescem robustas as plantas ricas, sugando a seiva d’um chão ubérrimo, e onde exotismos deslumbram; mas para todos existe um pouco de primavera, e entre o matto inculto abrem setineas flores.

Tambor de Infantaria n.° 17 (1856), Ribeiro Arthur.
Catalogo illustrado da 7ª exposição de arte promovida pelo Grémio Artístico em 1897
Imagem: Prof2000

Não podemos regosijar-nos de possuir uma arte vigorosa, nem mesmo ter d'isso para o presente a esperança, em tão mesquinhas condições nos encontramos, não deixemos, porém, d’encaminhar para ella os nossos votos mais intimos, de conservar viva a chamma que, de quando em quando, soltará ao menos uma brilhante faisca a illuminar-nos a escuridão.

Junho de 1897. (1)


(1) Ribeiro Arthur, Arte e artistas contemporaneos (II), 1898

Leitura relacionada:
Catalogo illustrado da 7ª exposição de arte promovida pelo Grémio Artístico em 1897
O Occidente N.º 665, 20 de junho de 1897
O Occidente N.º 666, 30 de junho de 1897
O Occidente N.º 668, 20 de julho de 1897
O Occidente N.º 671, 20 de agosto de 1897
Branco e Negro, 17 de maio de 1897

segunda-feira, 19 de junho de 2017

O Grémio Artístico (6.ª exposição, 1896)

A apparição de Columbano nas exposições do Grémio Artístico é um facto de que devemos congratular-nos, tanto a falta das suas obras, de tão poderosa originalidade, lá se fazia sentir.

Retrato de Rafael Bordalo Pinheiro (detalhe), Columbano, 1891.
Imagem: Tinta com pinta

Columbano

Foi uma entrada á pressa, realisada, na sua maioria, com trabalhos da ultima hora, retratos pela maior parte, alguns decorados com titulos caprichosos, mas o grande valor da sua exposição está nos tres retratos que dominam o primeira sala, e de tal modo que, fitando-os, empolgam-nos e fazem-nos esquecer a restante pintura que os cerca.

Columbano.
Imagem: Branco e Negro, abril de 1896

O retrato de Raphael Bordallo Pinheiro, que fora exposto em Paris no Salon de 1891, exprime admiravelmente o modo de sentir de Golumbano.

Ante o seu modelo o que viu foi a alma energica, amargurada, enthusiasta e descrente, forte pela intuição do seu genio, desdenhosa da imbecilidade circumvisinha, do grande caricaturista. A fórma omitte-a, os detalhes subordina-os ao symbolismo da sua ideia, e essa ideia, viva no olhar, na attitude, na expressão de todas essas feições, afogadas n’uma sombra sapiente, brilha, chamando-nos, attrahindo-nos para a interrogação d’uma personalidade que, se a não conhecêssemos, a adivinhariamos, tanto o artista a faz dizer de si pelo vigor com que a apresenta.

Retrato de Rafael Bordalo Pinheiro, Columbano, 1891.
Imagem: Tinta com pinta

A pintura é larga e solida, as tintas lançadas com a firmeza d’uma decisão absoluta. Sentado n’uma chaise-longue, o sobretudo desabotoado, mostrando a sobrecasaca, tendo ao pé de si uma meza onde se vêem, espalhados, papeis, Raphael Bordallo parece tomar um instante de passageiro repouso, e o seu olhar negro e profundo fita-nos, penetra-nos, pensativo, emquanto que o começo d’um sorriso ironico parece agitar-lhe os músculos da face. Não é um retrato, é a synthese d’um homem, feita pelas projecções, da luz e da sombra ao sopro da inspiração.

O retrato de Ramalho Ortigão, como bem representa a pose que o nosso velho Ramalho tem sustentado na vida, e que o não abandona mesmo na hora de se confessar vencido! Parece que foi lançado na tela d’um jacto, que náo foi preciso o trabalho dos pincéis, nem o esforço da mão para os dirigir. 

A bella cabeça de Batalha Reis, tão íinamente modelada, brilhante de intelligencia, completa este grupo de retratos d’homens notáveis com que Columbano veio animar a exposição.

Retrato de Jaime Batalha Reis,, Columbano, 1892.
Imagem: MNAC

Um retrato também é, sem duvida, aquella preciosa cabeça, da "Mulher que ri", tão expressiva e tão delicada, assim como retratos são a tão singular "Mulher da luneta", a que alegremente toma chá, estudo que exprime com uma franca bonhomia a physionomia sympathicamente intelligente e viva da retratada.

Mulher da luneta, Columbano, 1896.
Imagem: Wikimedia

Raul Brandão, um dos novos, com talento e alma, alma magoada por doentia sensibilidade, mas tão aberta á emoção, diz de Columbano, quando n’um pequeno artigo lhe pinta a feição a largos traços:

"A educação da cor a que Columbano fugiu, preferindo-lhe a sua visão pessoal. é uma das coisas que mais irrita n’este pintor. A outra é o seu genio. Ter personalidades e ter genio — eis ahi duas coisas que bastam para ser odiado."

"Quem pela primeira vez vê os seus retratos tem esta impressão: parecem de afogados. A cor é escuríssima, fundo negro, tintas que não estamos acostumados a ver. Mas é certo que, quem se pozer na luz do atelier a olhar um modelo, para logo vê a verdade da cor: a carne dá aquillo. Depois ainda mesmo que a cor não fosse verdadeira, bastaria a alma e a vida que resalta de cada um dos retratos, para fazer de Columbano o maior dos nossos pintores."

"Não é a copia banal e colorida do modelo : é a alma que elle conseguiu arrancar-lhe e estatelar na téla. Parece que cada um dos retratos foi surprehendido quando sósinho tecia as suas ideias mais negras..."

E entre os novos que Columbano tem encontrado os seus mais ardentes adeptos, a sua pintura tão psycologica deve ser melhor comprehendida por esses devaneadores irrequietos. Mas aquelles que o não comprehendiam, também pelo retrahimento em que se encerrava, vão aprendendo a aprecial-o, e a elle, que é ao mesmo tempo um audaz e um timido, deve ser-lhe grato o vêr-se comprehendido e sentir-se animado pelo calor dos applausos.


O tio Jeronymo

Um canto de jardim

Cabeça de mulher (estudo)

O garoto

Rapariga

Estudo (effeito de noite)

Carlos Reis  

Carlos Reis apresenta uma espectaculosa exposição de telas de vastas dimensões, e entre ellas, um pequeno quadro, o "Retrato de minha mãe" que, pela sua simplicidade e tocante sinceridade, absolve o pintor de todos os defeitos que resaltam nas obras com que intenta deslumbrar.

Realmente admiravel este bocadinho de pintura, no meu entender um dos melhores da exposição.

E arte feita religiosamente, o retrato d’aquella boa velhinha, com o seu ar feliz de doce aconchego* a paleta do artista, suavisada pelo toque da emoção, dá-nos n’esta obra a medida do que elle póde fazer, sempre que seja sincero e justo.

Retrato de minha mãe, Carlos Reis, c. 1896.
Imagem: Catalogo illustrado da 6ª exposição de arte promovida pelo Grémio Artístico em 1896

Pena ainda foi que o amor do insolito o levasse a deixar incidir sobre os olhos do modelo aquelles importunos raios de luz que lhe alteram a expressão, dandolhe um ar noctivago.

A factura, como a de toda a pintura de Reis, é agradavel e larga, mesmo nos mais pequenos detalhes, que, apezar de tudo, eu desejaria aqui vêr menos tratados.

A mais bella das suas paysagens é a "Manhã em Clamart", tão rigidamente fria, como as outras são ardentemente esbrazeadas; procura seduzir por meios oppostos, e realmente consegue-o, pois é uma das obras que mais attrahe na exposição.

São verdadeiramente bellos os effeitos da luz matinal que brilha atravez das brumas fluctuantes sob um céu, que se vê logo não ser o nosso céu.

O "Cahir das folhas" e nas "Vaccas na pastagem" lambem o talento do artista domina o seu instincto espectaculoso, mas nos restantes, o ruidoso ar decorativo e a tendencia de brilhar por meio de esforços violentos, roubando-lhes toda a sinceridade, desvia-os do caminho das obras de arte para a pintura de bric-a-brac.

Reis é um indisciplinado e um orgulhoso; estes defeitos transformam-se algumas vezes em qualidades, que servem o artista, e podem mesmo eleval-o a grande altura, quando uma ponta de gênio os toca, mas conservando-se simplesmente defeitos prejudicam o talento mais solido, lançando-o nos desvarios da extravagancia. Vejam aquella paysagem "Ao cahir da tarde" em que a extremidade dos galhos da arvore incendiados, lembram um fogo de artificio. Por muito que conceda ao temperamento do artista, não me parece que elle podesse ver aquillo sinceramente.

A physionomia especial do caracter de Reis interessa-me, lembra-me de o conhecer ainda creança, na tabacaria Neves, encetando a carreira do commercio; mas não era aquelle o seu destino, e dentro em pouco encontrava-se na Escola de Bellas-Artes, estudante applicado e distincto. N’um concurso de paysagem, o seu natural talento e a protecção de Silva Porto, de quem era um discipulo querido, fizeram-no passar pensionista do estado, para a Escola de Bellas-Artes de Paris, que mal frequentou, porque as violências do seu caracter o rebellavam contra a disciplina académica.

Foi á solta pelos museus e ateliers que elle fez a sua educaçãa artistica, e eil-o de volta a apresentar-nos, com igual ruido, o seu mérito e os seus exaggeros em paysagens, retratos, composições de genero, onde vemos oppor-se fogosamente, n’um singular contraste a obra d’um meridional tapageur, irrequieto, doido pela côr nhima ardência que escalda, e a sua physionomia loura, d’olhos pallidos, a figura de levita abotoada n’uma comprida sobrecasaca, que pareceria conter toda a íieugma d’um homem do norte, se não fossem os movimentos nervosos que o agitam.

Sejam porém quaes forem os defeitos com que se apresenta, este artista tem personalidade, o que é já bastante, viu, estudou, e, na monotonia geral da exposição do Grêmio, os seus trabalhos picam-nos, excitam-nos a analysal-o, devemos -pois agradecer-lhe a porção de vida que veio trazer a um corpo anêmico.


Domingo de primeira comunhão (França)

Sem familia

Um typo (esboço)

Retrato de Madame de V. F.

Velho veneziano

Margens do Almonda (aguarela)

Paisagem do Rio Almonda, Carlos Reis, possível 1896.
Imagem: José Rosário ou Wikimedia

Veloso Salgado

Salgado não apresenta este anno nenhuma obra que se imponha nos dominios da arte. Se o que expõe para outros seria muito, para elle é pouco. Retratos, completos uns, ligeiramente esboçados outros, e não são estes os que valem menos, indicando a facilidade do pincel que os apontou em dois traços, dizem-me que são d’um verdeiro artista, mas também de que elle se esqueceu de que fizera o retrato de Braamcamp Freire, e de que, portanto, nos tinha na expectativa d’alguma obra que viesse aquecer-nos e dar nos o prazer do enthusiasmo. Não me demorarei na analyse d’esses retratos que só dizem ao publico o que elle não ignora ha muito, isto é, que Salgado sabe pintar.

Interessam-me mais os dois quadros "No castanhal" e "Visão". Este ultimo, que na cor e na fórma parece indicar que o artista se inspirou em Puvis de Chavannes, é uma d’essas phantasias que para muitos nada dizem, mas que devem ser filhas dilectas de certas imaginações exaltadas, exprimindo estados d’alma em momentos raros que, pela sua raridade mesma, não são vulgarmente comprehendidos, mas também não deixam por isso de ser manifestações d’arte sincera. Aquella "pochade" feita d’uma maneira tão arrojada e simples, tem feito sorrir alguns; confesso, porém, que me prendeu a attenção por muito mais tempo de que outras obras mais reaes e acabadas da exposição.

Visão, Veloso Salgado, c. 1896.
Imagem: Catalogo illustrado da 6ª exposição de arte promovida pelo Grémio Artístico em 1896

"No castanhal" — um delicioso "plein air" é de ver como o pintor amorosamente lançou na téla aquella serena e graciosa figura de mulher, que tranquilla avança sob as arvores copadas. E táo delicadamente poética esta bella paysagem, exhala uma emoção recatada de tão inexplicável encanto, que decerto o artista a executou n’alguma hora boa em que o seu espirito, numa propensão de ternura, o tinha afastado das violências da lucta pela vida, que fazem soar tantas horas más.

Outras obras 
cf. Catalogo illustrado da 6ª exposição de arte promovida pelo Grémio Artístico em 1896

Retrato da Ex.ma Sr.a D. A. M. A.

Retrato da Ex.mo Sr. P. A.

Retrato da Ex.ma Sr.a D. O. M. S.

Retrato da Ex.ma Sr.a D. O. M. S., Veloso Salgado, c. 1896.
Imagem: Catalogo illustrado da 6ª exposição de arte promovida pelo Grémio Artístico em 1896

Retrato da Ex.ma Sr.a D. M. S.

Retrato da Ex.ma Sr.a D. E. S.

IV

A hora em que isto escrevo já a exposição está encerrada, e resta-me ainda tratar da maioria dos expositores. É facil a tarefa, porque em geral fizeram bem pouco. Não admira ; quem poderá ter gosto em trabalhar aqui?

José Malhoa

Malhôa apresenta um quadro "Embraçar cebolas" onde ha a admirar a belleza dos últimos planos, 

Embraçar cebolas, José Malhoa, 1896.
Imagem: Biblioteca Municipal de Figueiró dos Vinhos no flickr

expõe também alguns retratos, sendo muito interessante pela delicadeza de tons e fina expressão o da condessa de Proença-a-Velha.

Retrato da condessa de Proença-a-Velha, José Malhoa, c. 1896.
Imagem: Catalogo illustrado da 6ª exposição de arte promovida pelo Grémio Artístico em 1896


Retrato da Ex.ma Sr.a Maria X. Moncada; Retrato do Manuel João [da Costa]

Retrato de Manuel João da Costa, José Malhoa, 1896.
Imagem: MatrizNet

António Ramalho

Ramalho continua dormindo á sombra dos louros, e depois, nas horas de espreguiçamento, pinta alguma coisa, para não nos esquecermos d’elle, mostra-nos uns explendores de luz a dizer-nos: veem vocês, se eu quizesse... e volta ao somno. Arranjava uma bella cama aquella palha fresca áos, "Milhos de S. Miguel [Alto Minho]". Que dormideiras conseguiriam entorpecer o vivo espirito d’esse rapazote que, correndo atraz da Arte, como outros correm atraz de borboletas, veiu parar a Lisboa, merecendo uma epopeia, e que de Paris nos deslumbrou com a magia do Lanterneiro? Ah Ramalho, Ramalho...

Graças a Deus

Graças a Deus, António Ramalho, 1896.
Imagem: invaluable

A colheita das abóboras (Nevogilde); Mendigo

Mendigo, António Ramalho, 1896.
Imagem: António Ramalho no YouTube

Estudo


Ernesto Condeixa

Condeixa escolheu um interessante assumpto na antiga historia portugueza para o seu quadro "El-Rei D. Fernando I e o Infante D. Diniz" mas a interpretação é inferior ao que o artista podia dar.

El-Rei D. Fernando I e o Infante D. Diniz, Ernesto Condeixa, c. 1896.
Imagem: Catalogo illustrado da 6ª exposição de arte promovida pelo Grémio Artístico em 1896

Acho fraca a expressão geral das figuras, mau o gésto de D. Fernando, de que a physionomia exprime bem, na contracção, a cólera. Gósto da attitude contida de D. Leonor Telles, e acho boa a execução de alguns accessorios, principalmente do tapete que cobre o pavimento. E bastante crua a luz que entra, coada, pelos vidros de cores.


A quinta do Marquez de Bellas em dia de romaria; O pinhal da Fonte Eireira (Bellas); Um pescador (recordação de Paço d'Arcos); Uma officina de lanterneiro; Um cantinho de quintal.

Luciano Freire

Luciano Freire continua trabalhando sem ruido, mas conscienciosamente. A "Bucólica" é um bello estudo de poente, vae-se a luz perdendo em gradações no extremo horisonte, e nas encostas, onde os rebanhos correm buscando o aprisco, a noite cerra-se n’uma melancolia de escuridão que se condensa. "Inverno" é uma" pochade" bem feita; Freire sempre teve predilecção pelas brunas. Na "Tresmalhada" acho pouco estudados os animaes. O "Retrato de Silva Porto", apesar da semelhança, é de pouca expressão. Em todos os trabalhos d’este artista encontro, porém, uma sinceridade que me seduz e me faz tel-o em grande apreço.

Scena rustica [Gado tresmalhado?], Luciano Freire, c. 1896.
Imagem: Catalogo illustrado da 6ª exposição de arte promovida pelo Grémio Artístico em 1896

João Vaz

Vaz continha a serie das suas marinhas, dando-nos este anno uns bocadinhos da luminosa costa do Algarve. E um artista que estacionou; agradam sempre os seus bonitos trabalhos, todavia ás vezes, como em "Um canto de Lisboa", uma meticulosa exactidao dá-lhe uma rigidez photographica.

Um canto de Lisboa, João Vaz, c. 1896.
Imagem: Catalogo illustrado da 6ª exposição de arte promovida pelo Grémio Artístico em 1896


Tarde d'outomno (Setubal); Bahia de Lagos;Um bairro pobre no Algarve (Faro); Barra de Portimão; Rochedos á beira-mar (Lagos); Litoral.

Marques de Oliveira

Do Porto, Marques de Oliveira enviou ao Grémio duas das suas bellas paysagens; 

O amieiro da Pena; Manhã (Ponte d'Este).

Manhã (Ponte d'Este), Marques de Oliveira c. 1896.
Imagem: Catalogo illustrado da 6ª exposição de arte promovida pelo Grémio Artístico em 1896

Manuel Henrique Pinto

Obras
cf. Catalogo illustrado da 6ª exposição de arte promovida pelo Grémio Artístico em 1896


Na horta

Na horta, Arte Pintura Manuel Henrique Pinto, c. 1896.
Imagem: Catalogo illustrado da 6ª exposição de arte promovida pelo Grémio Artístico em 1896

Caminho da horta; Ribeira da Lavadeira.

Torquato Pinheiro uma collecção de pequenas paysagens, algumas tocadas com bastante sentimento, e Costa [António José da] uns quadros de flores que, principalmente, "Camélias e Junquilhos" deveras bem executados.

Por entre esses quadros, que formam sempre o fundo d’uma exposição, viam-se pequenas manchas de paysagem, flores e estudos, merecendo interesse, trabalhos de alumnos da Academia, ainda incorrectos, mas sérios, trabalhos de amadores provando boa aptidão, e, á mistura, alguns horrores, que o jury, apesar da diminuição já sensivel de télas a expor, devia excluir ainda.

Mas, conclusão final, o que se sentia, não obstante o concurso poderoso de dois artistas novos a chamarem vivamente a attenção, era um arrefecimento de enthusiasmo da parte dos artistas; apresentaram alguma coisa que tinham feito, mas pouco ou nada se preoccuparam com a exposição uns, e outros faltaram.

E a apathia do publico que os desanima.

Alguns applausos que colhem, alguma remuneração que para o seu trabalho obteem, não é verdadeiramente a esse publico, para quem se abrem as exposições, que os devem; é geralmente dos amigos, de algum raro amador, que conhece os ateliers, de algum rico discipulo que deseja a seu turno lisongear o mestre, e isto limita-se a uma troca de attenções e obséquios para que não vale a pena affrontar a critica e dar-se á forte canceira de trabalhar com ardor.

V

Roque Gameiro

Na sala destinada ao desenho e a aguarella dominavam como de costume, os dilectantes. Notava-se uma boa aguarella de Gameiro "A epistola" excellente retrato com solido desenho e uma grande frescura de tintas.

A epístola, Roque Gameiro, 1895.
Imagem: Das Culturas

D. Carlos de Bragança

Seduzia também pelo seu chic o grande quadro do sr. D. Carlos "Gado á bebida"; deixou-me, porém, relativamente frio este regio trabalho d’arte, a mim que, quando vou ao Grêmio, demoro sempre, preso por um novo encanto, diante d'aquella primorosa "Marinha" do Ribatejo, que me assombrou quando appareceu em publico, revelando a extraordinária aptidão artistica que eu ignorava existir no chefe d’estado. 

Gado à bebida, D Carlos de Bragança, 1896.
Imagem: Fundação da Casa de Bragança

Póde considerar-se um bom trabalho o que Sua Magestade expõe este anno, mas é muito menos sincero e muito menos sentido, visa ao effeito e tem grandes incorrecções no desenho dos animaes; apesar d'isso é superior a quasi todas as obras que n’aquella sala o acompanham, e é necessário que o sr. D. Carlos se dedique com bastante amor á arte para que possa apresentar-nos successivamente obras que são extraordinárias para um amador, e satisfariam a consciência de muitos artistas.


A fonte velha da aldeia (arredores de Merceana)

A fonte velha da aldeia (arredores de Merceana),
Ribeiro Cristino, c 1896.

Estrada de Portalegre a Marvão; Pôr do sol á beira mar (Praia da Consolação); O rocio de Portalegre; A Judiaria d'Obidos.


Paizagem em Odivelas; Paizagem (em Lagares d'El-Rei); Paizagem em Louza (aguarela).

A esculptura brilhava pela ausência; um busto da sr.a Falker representava todo o distincto grupo de esculptores portuguezes.

Uma interrogação. Este bello movimento para a arte moderna, que ha annos se manifestou em Portugal, irá, pela frieza d’um publico ignaro, pela desattenção que os homens públicos dão a tudo-que verdadeiramente interessa ávida intima do paiz, anniquillar-se e perder-se, sem que deixe em documentos que os vindouros consultem provas da sua vitalidade collectiva? Ficará como uma manifestação sporadica, dois ou tres nomes apenas representando uma originalidade indiscutivel? E um receio bem justificado na derrocada incessante da nossa vida nacional. Os nossos melhores artistas refugiando-se em Paris, honram a patria de que são filhos, mas podemos bem chamar-lhe artistas portuguezes?

Soffrendo as influencias da escola e do meio, debaixo de um céu de tão diversa luz, ouvindo constantemente n’uma lingua estranha expressar sentimentos que não são bem os nossos, tendo diante dos olhos rostos e figuras bem diversas, a sua arte é forçosamente a arte do paiz em que vivem e não uma arte nacional. Se Silva Porto nos deu, por amor, toda a encantadora paysagem portugueza, se Columbano, na intransigência do seu caracter, não acceita imposições de escola, e se guia pela visão que lhe illumina o espirito, tendo a coragem de viver na obscuridade que occulta o artista portuguez, outros, como Sousa Pinto, de tão notável talento, hão de desnacionalisar-se.

Se os artistas encontrassem no paiz, de que a nostalgia os persegue mesmo entre os mais radiantes explendores da civilisação, o acolhimento que o seu talento merece e o incitamento tão necessário aos que trabalham, decerto não iriam viver entre estranhos, e as suas obras, influenciadas pelo sentimento nacional, seriam bem nossas, e teriamos em poucos annos uma pintura portugueza, em que se encontraria a nossa flora, os nossos costumes, as nossas tradições, os nossos bellos typos meridionaes, tudo quanto nos interessa e comnosco vive.

O alumno da Escola de Bellas-Artes que realisa o sonho atormentador de alcançar o pensionado em Paris, muito util pela defficiencia do ensino em Portugal e também pela educação que devem dar-lhe os museus e as exposições, onde póde estudar todos os primores da arte antiga e moderna, se tem talento que lhe permitta luctar com a concorrência de Paris, necessita muita coragem e laços bem fortes a prendel-o á patria para que volte definitivamente.

Os que voltam veem sempre cheios de enthusiasmo, com um arsinho de pedantismo ás vezes, mas dentro em pouco caheim n’uma apathia indolente, procuram como taboa de salvação um logar de professorado, e por ahi se esterilisam, dando pouco do que promettiam. A culpa não é d’elles.

Se é necessário muito tempo para que um ramo qualquer da educação publica se faça, se é difficil convencer a nossa burguezia, que tanto gasta nas bijouterias de chic banal que vem do extrangeiro, em empregar annualmente algum d’esse dinheiro na compra de obras d’arte, protegendo assim os nossos artistas, mais é para lamentar que seja difficil conseguir que os homens públicos attendam devidamente a este assumpto de magna importância.

A acquisição para o Museu Nacional das obras de pintura e esculptura de um real valor que apparecessem, seria o prémio mais desejado pelos artistas e o mais de molde a animar as Bellas-Artes. A acquisição annual para as escolas industriaes de algumas pequenas télas de mérito, justa e rigorosamente escolhidas,, seria também incitamento para que trabalhassem e bem.

A desculpa da pobresa das finanças não é acceitavel, porque a verba a destinar para este fim seria relativamente pequena, quando em coisas de todo inúteis e insensatos esbanjamentos se dispendem sommas muito maiores.

Animar e proteger os nossos artistas, procurando avigorar em todos os ramos das Bellas-Artes o sentimento nacional, é uma bella tarefa, que tão pequena attenção vae merecendo. Tudo quanto se faça pela arte é pouco, mas parece que desconhecemos a sua consoladora influencia nos destinos da humanidade.

Abril de 1896. (1)

(1) Ribeiro Arthur, Arte e artistas contemporaneos (II), 1898

Leitura relacionada:
Catalogo illustrado da 6ª exposição de arte promovida pelo Grémio Artístico em 1896
O Occidente N.º 625, 5 de maio de 1896
Branco e Negro, abril de 1896
José Augusto França, O essencial sobre Columbano Bordalo Pinheiro
Margarida Elias, Columbano Bordalo Pinheiro e as Caldas da Rainha



Na educação d’um povo, verdadeiramente civilisado, devem entrar elementos que o preparem para receber a impressão suggestiva d’uma obra d'arte, qualquer que seja a sua natureza, a sua fórma, o seu modo de ser. Se a arte não é, como diz Veron, senão uma resultante natural do organismo humano, constituido de modo que encontra um goso particular em certas combinações de fôrmas, linhas, cores, movimentos, sons, rythmos e imagens, também é certo que sem uma previa cultura essa disposição natural do homem ficará rudimentar, como aquellas flores de que admiramos a formosa opulência e que, bravas e incultas, mal parece terem dado origem aos bellos exemplares que a cultura nos offerece.

A cultura intellectual precisa para se receber a suggestão emotiva da obra d’arte é simples, umas leves noções de esthetica bastam para abrir á imaginação do homem uma larga janella sobre o campo em que as manifestações d’arte apparecem, com a harmonia que as torna bellas, ou com a força que as eleva ao sublime.

Toda a obra d’arte deve ser mais ou menos comprehendida por aquelles que vivem no meio que a produz, ou ella se dirija ao grupo escolhido que representa o apuro da selecção espiritual d’esse meio, ou, simplesmente, falle para toda a multidão que a escuta; mal, porém, da multidão se a não ouve, porque estará surda para as mais delicadas e harmónicas vibrações. Mas a melhor parte d’essa educação publica é aos artistas que compete. São elles, qualquer que seja o ramo d’arte a que se consagrem, que, elevando-a acima dos proprios interesses, dedicando-lhe a melhor porção da sua alma, traduzindo com sinceridade as suas emoções, a farão comprehender por outras almas, cujo sentir deve estar em muitos pontos d’accordo com o seu.

As exposições, meio porque as artes plasticas, cujos productos são geralmente destinados a um particular, faliam com a collectividade publica, devem procurar influir o mais poderosamente possivel sobre essa collectividade, e os artistas que a ellas concorrem attenderem a que as obras expostas não pertençam á cathegoria das que enchem os bazares do commercio, mas ao numero escolhido das que tem logar no coração do artista e que elle firmou com orgulho ou com amor.

A exposição do Grêmio Artístico, este anno, mais escolhida que a do anno anterior, está ainda assim longe de corresponder ás esperanças dos que muito desejam.

Silva Porto faz lá muita falta Não sao só as suas formosas paysagens, que tão intensamente animavam aquellas paredes, de que se sente a ausência, mas é da sua alma, que também animava o Grémio com o seu enthusiasmo d’artista sincero, e com o seu conselho de mestre. Acima de tudo a arte, era a sua norma. Ninguém como elle dirigia os interesses de todos para o ponto culminante que nenhum deve desfitar, e, conciliador de vontades, era quem melhor sabia destruir os effeitos perniciosos da ciumeira azeda, que, como diz Fialho d’Almeida, envenena os agrupamentos d’artistas.

Deplorável effeito, talvez, d’esse veneno foi a questão trazida para o soalheiro dos jornaes a proposito de Salgado e dos quadros destinados á exposição de Berlim, questão em que não sei, nem me preoccupa o saber, quem tem razão, mas na qual lamentei a fórma porque os artistas, amesquinhando-se a si, vão de vários modos prejudicar a arte.

As pequenas coteries que, guerreando-se mutuamente, desprestigiam artistas de mérito a favor de nullidades mais ou menos espaventosas, também pelo Grêmio agitam as suas marottes.

Uma excessiva febre de ganhar, dominando o nobre interesse da gloria, vae-se denunciando fortemente. Se o jury de admissão teve este anno o bom senso de ser mais severo para com as phantasias do diletantismo, por outro lado commetteu, a meu vêr, uma falta grave, começando a fazer aos estatutos o mesmo que os governos teem feito á Carta Constitucional.

Esta infracção de leis, hoje a favor de um artista do mais elevado mérito, e de quem sou o maior admirador e sincero amigo, benificiou a actual exposição, mas ameaça as exposições futuras, porque, aberto o exemplo, póde depois qualquer banal influente reclamar a cada passo eguaes concessões, e d’ahi resultará uma desordem inadmissível.

Digo e direi sempre desassombradamente o que penso, não sacrificando a minha opinião ao prazer de nenhum dos membros do Grêmio, e, preferindo a associação aos associados, prefiro, também, aos interesses d’ella o grande interesse da Arte, fim grandioso para que devem convergir todos os esforços. O Grêmio Artistico excita, porém, o meu zelo de amador apaixonado da pintura; vêl-o elevar-se, á altura d’uma grande instituição, seria para mim a satisfação d’um ardente desejo. Esta associação artistica, unica no seu genero em Portugal, creada e dirigida polos melhores artistas portuguezes, é, na ausência absoluta dhnteresse dos governos pelas cousas d’arte, uma instituição séria e util, quasi imprescindivel; mas, por isso mesmo, adquire também serias responsabilidades.

Cônscia do muito que póde, e do nobre fim a que devem tender todos os seus esforços, poderá adquirir os fóros d’uma academia dirigente, com applauso de todos. Desviando-se do caminho que as próprias circumstancias da vida artistica cm Portugal lhe indicam, não passará d’uma reunião de elementos mal cimentados, periclitantes, e terá de ceder o logar a outra, melhor organisada, que, pela necessidade absoluta de uma instituição d’esta ordem, terá forçosamente de a substituir.

A actual exposição, embora não seja rica, está longe de ser banal, e basta a analyse dos elementos novos que apresenta para que interésse á critica e offereça motivos de ensinamento.

Os dois artistas que este anno se estreiam no Grêmio são do caracter mais opposto nos seus processos e na sua maneira subjectiva; um é extremamente decorativo, outro profundamente expressivo. Carlos Reis tenta deslumbrar pelas vibrações fulgentes do colorido, e Columbano apresenta-nos o triumpho do claroescuro sobre a illusão da côr. O colorista sacrifica, ao seu instinctivo desejo de brilhar, algumas vezes a verdade, esfriando o enthusiasmo dos sinceros, que ávidos procuram a fonte da emoção, o outro esquece a cor, apaga os detalhes, quando não servem para exprimir uma feição do conjuncto, deixa vivas apenas as phisionomias, as ideias, toda a porção possivel do ser moral das suas obras.

A observação d’estes dois artistas, d’um caracter tão diverso, é o maior attractivo da exposição. Os trabalhos de Salgado, descurados ou insignificantes alguns, mas demonstrando outros o grau de superioridade do artista, distinguem-se também.

Quanto aos restantes direi, embora me peze dizel-o áquelles de quem sou amigo, apresentam um ou outro quadro que se salva pelas naturaes qualidades do artistas, mas nenhuma obra que se saliente, nenhum esforço que mereça applauso; mesmo entre os novos, embora alguns provem que se applicam e trabalham, nada apparece de extraordinariamente promettedor. (2)


in Ribeiro Arthur, Arte e artistas contemporaneos (II), 1898