sexta-feira, 19 de dezembro de 2025

Palheiros de Mira

por Raul Brandão

Em todo o vasto areal que se estende de Espinho ao cabo Mondego, a pesca é de arrasto e a grande abundância de sardinha, grande, média e pequena ou, por outra, vareirinha, como lhe chamam no interior das terras. O areal e o mar ensinam e exigem a pesca colectiva – um grande barco, uma grande rede e uma forte companha.

Praia de Mira, ed. Tabacaria Nilo.
Praia de Mira (postais antigos)

A saída é perigosa, e de um momento para o outro, a onda cresce e o barco não pode abicar. Daí as enormes embarcações, as redes, as cordas e os bois para as puxar. Para o sul, até Pedrogão, em Lavos, em Buarcos, a pesca é também costeira e de arrasto (...)


Julho de 1922


Manhã. Primeira ida ao mar das quatro e quarenta e cinco minutos. Um serouqueiro do sul que envolveu de bruma a noite acaba de desaparecer. Mas da névoa ficou névoa misturando-se ao azul e à frescura que dilata os pulmões e inebria. Um rapaz, no alto da duna, sopra o búzio com as bochechas cheias, chamando a companha para a pesca. O barco está pronto.

Praia de Mira, ed. Tabacaria Nilo.
Aveiro e Cultura

Uma esteira de varas, duas juntas de bois para o puxar, homens nus metidos na água e agarrados às cordas, e a onda que salpica e os alaga. Entra para dentro a companha. Refervem as ondas que o sacodem lá no alto... Os fortes rapagões agarram-se aos quatro remos, a proa alvora... É este o momento angustioso, enquanto se não safam da cova do mar.

Praia de Mira, ed. Tabacaria Nilo.
Aveiro e Cultura

– Eh arrais, carago, a maré é agora! – diz o João Custódio, revezeiro.

O arrais segura a corda, que é o único leme deste barco. Tudo consiste em saber «ferrar a volta na ré» para o livrar do vagalhão – tudo consiste em destreza e pulso, se- não o barco sacudido enche-se de água e vira. Dois homens, os caladores, ajudam-no a soltar o extenso cabo enrolado à popa, que nunca mais larga da mão. Num instante se livra da onda que quebra, mas a manobra é complicada.

O barco tem quatro remos nos quatro bancos: o do castelo da proa, o do remo da proa, o do remo da ré e o do castelo da ré. A cada um destes pesadíssimos remos se agarram quatro homens de pé nas estorveiras, que ficam nos intervalos dos bancos, seis sentados e ainda outros, os camboeiros, puxando os cambões – todos ao mesmo tempo, todos com o mesmo ritmo. O revezeiro, que ordena a saída para o mar, manda também em cada remo. Na parte mais delgada remam os caneiros, que trilham o remo e fazem a voga, ajudados pelos segundos.

Praia de Mira.
Praia de Mira (postais antigos)


O barco vai largando o grosso cabo com nós, que se chamam balizas, até ao momento em que o arrais sente o peixe mais à terra, a aguagem, pela mudança da cor, ou distingue o alcatraz que nas águas lúzias cai a pique sobre a manta da sardinha. Outras vezes é a fervença ou gorgolhido que lhe indica onde está o peixe – pequenas bolhas de ar que ascendem à superfície – ou mesmo a ardentia com que os grandes bancos de sardinha iluminam o mar.

Então o arrais de pé dá o sinal dizendo: – Em nome do Santíssimo Sacramento, saco ao mar! – Toda a companha se descobre. Larga-se a cuada de malha mais miúda, a manga, peça mais grossa, e por fim o cabo, que se desenrola até à terra.

Voltam e o momento dramático repete-se. O barco vem no alto da ressaca. – Larga! larga! – Os homens remam cantando. Inunda-os um jorro mais impetuoso. Agora, é o arrais que na pancada do mar traz a corda na mão guiando o barco.

Um vagalhão de espuma vai despedaçá-lo e arrasta-o num último impulso pelo areal acima. Dois rapazes, metidos na água, enfiam logo nas argolas do costado duas ganchorras de ferro. Salpicos. Alarido. A companha salta em terra, jungem-se os bois às cordas, lança-se o estrado de varais pela areia; sobre os varais, roletes; e puxado pelos bois e pelos homens o barco enorme sobe, de proa voltada ao mar, e pronto para nova arremetida (...)

Lá em cima, no dorso do monte doirado, os carpinteiros de machado remendam dois esqueletos de barcaças... Vêem-se agora as pandas: juntam-se os cabos e a boca da rede cada vez se aperta mais. A vida atinge o auge. – Arriba! Arriba! – Todos deitam as mãos às cordas. Corre o mulherio. Rapazes quase nus metem-se à espuma e agarram a rede.

Os bois, espicaçados, parecem compreender que o momento é decisivo: – Eixe! Eixe! – E lá em cima retesam os músculos no último esforço. Depois largam o cabo, correm ao fundo, entram na água, que esguicha, guiados pelas cachopas de aguilhada no ar e salpicados de espuma. Aí vêm os outros: desligam-nos e tornam logo arriba. Mais depressa! Mais depressa sempre! A onda enconcha, com um friso refervendo-lhe na crista a desabar – e bois, cachopas, homens quase nus, agarram o saco, inundados de espuma que os envolve.

O último esforço... Dois rapazes saltam na água e apertam a boca do saco com uma corda para o peixe não fugir. – Eh! Eh! – Mais gritos. O mar, cada vez mais impetuoso, rebenta sobre o areal, rolo atrás de rolo, e os homens e os bois saem a correr do vagalhão de espuma...

Foi diante de um quadro assim que Ferdinand Denis exclamou, assombrado: – Que estranho país é este onde os bois vão lavrar o próprio oceano?!...




As mulheres e os almocreves excitados deitam mão à rede e o saco sai da água, a rasto pela areia entre laivos verdes que escorrem (...)

À primeira vista parece uma coisa teatral, prestes a desconjuntar-se, só cenário e mais nada, com quatro patas desajeitadas de bicho, sem o alicerce da quilha a sustentá-lo, impróprio para o mar e para a terra – obra de lavradores que resolveram um dia ir à sardinha.

Os quatro remos pesadíssimos, com uma parte mais grossa e reforçada, que se chama cágado, são coevos do alfange, e estes bicos aguçados, que tão bem ficam no areal e no céu, não têm solidez nenhuma.


Praia de Mira
Aveiro e Cultura

Na realidade um barco destes, que parece inútil, é um produto de engenho secular. Como não há porto nem abrigo e a embarcação tem de passar logo do areal para a onda que escachoa, atravessando a arrebentação para sair ao largo ou para regressar à terra, era necessário oferecer à onda a menor resistência e saltar-lhe no dorso: – por isso ergueu a proa.

E como a dança das ondas se sucede durante alguns minutos, era forçoso também que, mal assentasse na água, lhe andasse ao de cima: – e a popa fugiu-lhe para o céu.

O barco tem exactamente o feitio côncavo do espaço que vai de vaga a vaga, com um pouco de espuma figurada nas duas extremidades.

Estas grandes embarcações constroem-se na Lagoa, onde só carpinteiros especiais lhes sabem dar o estaleiro necessário, e vêm em carros de bois puxados por doze juntas até à Banha. São levantadas à proa, castelo da proa, e aguçadas até à ponta, bica; e levantadas à ré com a sua bica na extremidade.


Praia de Mira.
Praia de Mira (postais antigos)

No castelo da proa têm duas mãozinhas salientes para as ligar à terra por uma corda chamada rangedeira, não as deixando descair quando o vento as impele e elas esguelham, e quatro escalamões de ferro onde entram os buracos dos quatro grandes remos.

Hoje só há em Mira quatro companhas, com os seguintes arrais: Manuel Maria Patrão, Manuel Fé, Manuel Mirão e Gabriel Janeiro; mas já houve onze, comandadas por José Patrão, Manuel Cera, Arraizinho, Tito Marrete, etc., todos mortos (...)

Como vive esta gente? Vive com simplicidade nos palheiros, casa ideal para pescadores ou para um velho filósofo como eu. É construída sobre espeques na areia, com tábuas de pinho e um forro por dentro aplainado. Duram tanto ou mais que a vida: cheiram que consolam, quando novas, a resina, a árvore descascada e a monte; ressoam como um velho búzio e são leves, agasalhadas, transparentes.

Por fora escurecem logo, e envelhecendo caem para o lado ou para a frente; por dentro conservam uma frescura extraordinária, e quando se abre uma janela, abre-se para o infinito. No chão dois tijolos para o lume, em esteiras alguns peixes a secar (...)


Praia de Mira.
Praia de Mira (postais antigos)

Donde veio esta gente para o areal? É a mesma raça prolífica da beira-mar, que nos enobrece e que eu conheço da Afurada até Leiria, os homens graves e serenos diante do perigo, e as mulheres trabalhadeiras, sempre de chapelinho redondo e xaile. Levantam-se de chapéu, trabalham de chapéu, deitam-se de chapéu e cuido que dormem com ele na cabeça. Nunca deixam a beira-mar, como se a respiração do mar lhes fosse indispensável à vida e foram-se estendendo sempre pela costa até ao Algarve, onde fundaram uma colónia em Olhão.

Estes, de Mira, vieram das proximidades, de Mira vila, de Porto-Mor, etc. Ainda há memória de só existirem aqui meia dúzia de palheiros – o do tio Soldado, o do tio Domingos Rabita e poucos mais. Na época da pesca acode gente do Seixo, Cabeça e outras povoações dos arredores.


Além dos barcos grandes, usa-se em Mira a robaleira e a manhosa, todos do mesmo feitio mas mais pequenos. A robaleira leva rede de arrasto e doze homens de companha, e a manhosa, seis homens e rede de emalhe, com três panos, os exteriores, albitanos, um de cada lado do pano de dentro. A robaleira vai também ligada à terra por um cabo, mas a manhosa não leva cabo. É para a tainha. Cerca-se e bate-se.

Praia de Mira, ed. Tabacaria Nilo.
Praia de Mira (postais antigos)

Há cinquenta anos que não lembra que morresse aqui ninguém de desastre no mar. Às vezes a onda vira o barco, envolve os homens e deixa-os sem sentidos. Quando os tiram por mortos, para fora do mar, metem-nos no sal como as sardinhas, «para lhes apertar os ossos». É grande remédio, dizem. Ano passado, houve um que, depois de estar no sal quarenta e oito horas, ainda tornou a si... (1)

Ao lado do areal onde se finca a povoação de Mira, há um resto da ria de Aveiro, que teve aqui noutros tempos uma saída para o mar e que se chama ainda hoje a Barrinha. É uma gota de água pensativa a cinquenta passos do mar. Canaviais e areias... (2)


(1) Raul Brandão, Os Pescadores, Paris, Ailland, 1923, 326 págs, 127,7 MB
(2) Idem

Leitura relacionada:
Manuel Resende, Praia de Mira aldeia de pescadores, Panorama n° 21, Junho de 1944

RTP Arquivos:
Onde os Bois Lavram o Mar

Artigos relacionados:
Barco da xávega de mestre Gadelha
Os pescadores de Raúl Brandão
etc.



Leitura adicional:
Henrique Souto, Comunidades de pesca artesanal na costa portuguesa... 1998
Maria João Marques, Arte Xávega em Portugal

domingo, 14 de dezembro de 2025

Praia da Torreira

Murtosa, a norte da Gândara e das Ga(la)fanhas

Nesta praia trabalharam regularmente em 1997 duas companhas de xávega, uma das quais utilizando exclusivamente juntas de bois na alagem da rede. Esta situação, anacrônica no panorama actual, justifica-se, na palavra dos pescadores, por a alagem com tracção animal ser mais cadenciada, já que os bois "apanham o ritmo do mar" e, por isso, o peixe não vem tão "amassado".

Saveiro meia-lua da Torreira, S. Paio.
Retratos de Portugal

Nesta localidade os pescadores das companhas trabalham em complementaridade na "ria" no outono e no inverno, sobretudo na apanha de berbigão, a que chamam crico.

Ao que tudo indica fundada por Murtoseiros, a Torreira teve subjacente desde sempre a ligacão oceano/laguna...


Saveiro meia-lua da Torreira, S. Paio no Exeter Maritime Museum (1969-1997).
eBay

Esclarecedoramente, esta localidade foi fundada no troco de costa mais estreito no sentido oceano/laguna, já que era necessário transportar o peixe capturado no oceano para a margem da "ria" onde era salgado e conservado em canastras, apôs o que era expedido, por barco, para o interior.

Saveiro meia-lua da Torreira, Santo António no Museu de Marinha.
Revista da Armada n° 555, setembro-outubro de 2000

Havia assim, originalmente, uma fiada de palheiros do mar e uma fiada de palheiros da beira-ria, entre os quais ficava um deserto sem gente... (1)


(1) Henrique Souto, Comunidades de pesca artesanal na costa portuguesa... 1998

Mais informação:
A Torreira no Marintimidades de Ana Maria Lopes
Alfredo Pinheiro Marques, A arte-xávega da Beira Litoral e as suas embarcações, Revista da Armada n° 555, setembro-outubro de 2000
Jorge Branco, Pesca Tradicional na Laguna de Aveiro: Cais, Embarcações e Artes
Maria Luísa Moreirinhas, Solidariedade e sobrevivência na ria de Aveiro: os pescadores do chinchorro da Torreira, 1998

Leitura adicional:
Raul Brandão, Os Pescadores, Paris, Ailland, 1923, 326 págs, 127,7 MB
Adolpho Loureiro, Os portos maritimos de Portugal e ilhas adjacentes, 1904
Henrique Souto, Comunidades de pesca artesanal na costa portuguesa... 1998
Maria João Marques, Arte Xávega em Portugal

sábado, 13 de dezembro de 2025

Praia do Furadouro

Aforadouro na gelfa, Ovar

Data de 1600 a notícia mais antiga sobre as companhas de pesca de arrasto no Furadouro. Segundo as Memórias e Datas para a História da Vila de Ovar, naquele ano existiam quatro companhas de chinchorro ou artes-pequenas (cf. João Frederico Teixeira de Pinho, Memórias e Datas para a História da Vila de Ovar).

Ovar, Furadouro. Barco de pesca entrando no mar, ed. Paulo Guedes & Saraiva n° 16, 1904.
Ovar memórias (fb)


Os pescadores organizavam-se para a exploração do mar em companhas de tipo cooperativista rudimentar, sociedades onde cada um punha em comum com o seu capital, o esforço próprio e a ajuda da família que trabalhava em terra. Cada quota tinha o nome de quinhão e todos os lucros ou prejuízos eram suportados proporcionalmente pelos sócios, estando incluídos nos quinhões o socorro às viúvas, pais, inválidos, doentes, velhos e falecidos.

Ovar, Furadouro. Conducção da rede, ed. Paulo Guedes & Saraiva n° 17, 1904.
Ovar memórias (fb)

As escrituras de sociedade e de arraisaria entre o arrais, o procurador, o escrivão – governança da companha – e os sócios eram muito frequentes entre 1840 e 1870. Baldaque da Silva transcreve um regulamento para as companhas da Torreira de 5 de Novembro de 1852, onde se determina:

“Haverá uma comissão directora das companhas de pesca da costa da Torreira, composta por três vogaes, e presidida pelo administrador do concelho, nomeada pelo governador civil e com funções gratuitas. As companhas são sociedades 58 regidas e administradas por um arraes de terra e outro do mar, um procurador e um escrivão e compõem-se além d’estes de 170 a 200 sócios, tendo um inventario de todos os bens da sociedade”.

Ovar, Furadouro. Partida para a pesca, ed. Casa Santos, c. 1931.
Ovar memórias (fb)

Em 1776 veio para o Furadouro o francês João Pedro Mijoulle que, juntamente com alguns catalães, instalou na praia o primeiro processo de conservação de sardinha pela salga, método mantido em segredo durante algum tempo.

Ovar, Furadouro. Meia lua de pesca, ed. Casa Santos, c. 1931.
Ovar memórias (fb)

Foi ainda nessa altura que surgiram as companhas de estrutura económica capitalista incipiente, sob a forma de empresas de “senhorio” ou de “terço”, pois o capitalista associado cobrava um terço da produção. Os financiadores das companhas eram catalães instalados em Ovar, oligarquia local que possuía também marinhas de sal. Muitas das velhas companhas, obrigadas a recorrer a usurários que lhes emprestavam o capital necessário para as despesas de exploração sempre crescentes, sucumbiram.

Estas novas sociedades eram constituídas por pessoas estranhas à classe piscatória e o pescador passou a ser um simples assalariado, recebendo soldada ou vencimento diário, caldeirada e, desde data mais recente, uma percentagem sobre o apuro bruto do arrasto.

Em meados do século XX, as matrículas dos pescadores, na sequência de contratos verbais, compreendiam a importância das soldadas ou o quantitativo das percentagens a atribuir ao pessoal, conforme registo feito na Capitania durante o primeiro trimestre de cada ano.

No século XIX, deu-se na técnica da xávega uma transformação significativa: a tracção a braços foi substituída pela tracção com juntas de bois, distribuídas pelas duas cordas das mangas da rede, pelo que ao pescador se aliou o boieiro.

Bois arrastando o barco, Emílio Biel & Cª n° 204, c. 1904.
Ovar memórias (fb)

Segundo Ernesto Veiga de Oliveira e Fernando Galhano, em 1886, em S. Jacinto encontram-se apenas duas companhas com quatro barcos de xávega e cento e cinquenta homens. Mas em 1887 inicia-se a prática da alagem das redes com gado, que obriga à construção de abegoarias.


Em 1890 já ali se contam seis companhas de xávega (além de 26 de mexoalho), que subsistem ainda em 1911, empregando um total de 570 homens e 70 rapazes, dos quais 216 trabalhavam no mar e os restantes em terra.

As empresas possuíam 176 bois, que adquiriam no começo da safra e vendiam no final... (1)

Actualmente (1906) trabalham na costa do Furadouro quatro companhas — a de S. Pedro ou do Guincho, a de S. Luís ou a Camona, a da Senhora do Socorro ou do Massaroca, e a «Boa Esperança», empresa que gira sob a firma de Pinto Palavra & C.ª L.ª

Barco de pesca "Esperança" dirigindo-se ao lançamento das redes.
Serões, Revista mensal ilustrada n° 14, agosto de 1906

Das três primeiras companhas são respectivamente senhorios os Srs. João Pacheco Polónia, Francisco Ferreira Coelho e Joaquim Valente de Almeida, e da empresa de pesca "Boa Esperança" é gerente o Sr. Francisco de Matos, bem quisto comerciante da Praça de Ovar.


Daquelas sociedades de pesca, que no fim de cada safra podem apresentar, em média, uma receita não inferior a cinquenta contos de reis, a mais recentemente fundada foi a «Boa Esperança», pois que a sua organização data de 16 de Fevereiro do corrente ano.

A montagem desta companha e o seu processo de trabalho são notáveis e dignos de minucioso exame por parte de todas as pessoas que se interessam pela arte da pesca.

Ao sul da praia e em terreno cedido pela fábrica de conservas A Varina (v. Ovar News), que tem a sua sede na vila de Ovar, e cuja filial, para o fabrico da sardinha, ali se encontra muito bem montada, está feita a instalação da nova companha, que se compõe de grandes armazéns de madeira, divididos em três corpos solidamente construídos: um ao fundo para habitação do pessoal e dois aos lados, sendo destes um para abegoaria e outro para guarda de aparelhos, além de outras dependências de somenos importância.

Para quem nunca viu a pesca de arrasto em algumas das costas do norte de Portugal, torna-se um passatempo cheio de curiosidade o presenciar toda essa cena de um pitoresco e de um sabor local inexcedíveis. Desde o lançar dos barcos ao mar até ao sair das redes, sucedem-se interessantíssimas manobras que, apesar de rotineiras, são duma grande utilidade e precisão.

A praia, em dias de pesca abundante, é extraordinariamente movimentada e sobretudo no momento em que as redes chegam a terra. O espectáculo então é maravilhoso e sempre belo. O sussurro monótono das vagas, o piar agudo e incessante das gaivotas que em enormes bandos se aproximam da beira-mar e a vozearia ensurdecedora dos pescadores ao puxar as redes para fora da água produzem uma música estranha, que se ouve a muita distância e cuja toada não deixa de ter uma certa harmonia que deliciosamente encanta os que a escutam.

Logo que a sardinha sai das redes e é comprada por vários mercantéis, são as vareiras encarregadas da sua condução para os palheiros dos compradores, depois de a escorcharem com uma rapidez assombrosa.

Varina e pescador, Francisco José Resende, 1859.
Cabral Moncada Leilões

É então que a vareira se mostra tal qual é: — forte, desenvolta, ágil e corajosa, trabalhando sem descanso, correndo sobre a areia como ligeira arvéloa, metendo-se pela água do mar até à cintura para lavar os rapichéis da sardinha, cantando sempre, rindo sempre e aspirando a plenos pulmões o ar forte e sadio da beira-mar. (2)

O Furadouro é a praia de Ovar e em 1997 apenas nela trabalharam duas companhas de xávega, embora também aqui tenha pescado uma bateira de mar (embarcacão de menores dimensôes do que o chamado barco de mar), que utilizou mugiganga (rede do mesmo tipo da xávega mas alada para bordo).

Ovar. Partida d'um barco de pesca para o mar, ed. Santos Cunha, c. 1913.
Ovar memórias (fb)

Desta região saíram pescadores responsáveis pelo povoamento de muitas praias, tanto a Norte com o a Sul e os varinos e varinas (de Ovar) estão omnipresentes em toda a bibliografia sobre pesca em Portugal.

Caracteristicamente, deslocavam-se no Verão, aos casais, nas suas bateiras, onde também pernoitavam, pescando ao longo de toda a costa pelo menos até aos rios Tejo e Sado (no quais penetravam na temporada do sável); para Norte distribuiram-se pelo menos até ao rio Lega (Matosinhos) e fundaram, no rio Douro, a Afurada.

Vareira, Augusto Roquemont, 1847.
Museu Nacional de Soares dos Reis


Como tradicionalmente as mulheres eram também peixeiras (vendendo porta-a-porta), a designacão varina refere-se, ainda hoje, âs vendedoras de peixe que se deslocam a pé apregoando o seu peixe, independentemente da sua origem. (3)


(1) Clara Sarmento, Práticas, discursos e representações da cultura popular portuguesa, 2007
(2) Serões, Revista mensal ilustrada n° 14, agosto de 1906
(3) Henrique Souto, Comunidades de pesca artesanal na costa portuguesa... 1998

Mais informação:
Fotos do Livro de José de Oliveira Neves, A Pesca no Furadouro (1800-1955)
A Bateira do Mar «Carlitos» no Marintimidades de Ana Maria Lopes
Alfredo Pinheiro Marques, A arte-xávega da Beira Litoral e as suas embarcações, Revista da Armada n° 555, setembro-outubro de 2000
Jorge Branco, Pesca Tradicional na Laguna de Aveiro: Cais, Embarcações e Artes

Artigos relacionados:
Fragateiros de Ovar

Leitura adicional:
Raul Brandão, Os Pescadores, Paris, Ailland, 1923, 326 págs, 127,7 MB
Clara Sarmento, Práticas, discursos e representações da cultura popular portuguesa, 2007
Henrique Souto, Comunidades de pesca artesanal na costa portuguesa... 1998
Adolpho Loureiro, Os portos maritimos de Portugal e ilhas adjacentes, 1904
Maria João Marques, Arte Xávega em Portugal

sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

Pesca de Espinho

 por Miguel de Unamuno

La costa portuguesa en este distrito de Aveiro, al Sur de Oporto, es de una triste monotonía. Una larga playa baja, de fina arena, y cadenas de dunas coronadas á veces por los pinos, que llegan á mirarse en las aguas. Trechos hay, como este de Espinho, en que el mar avanza, ó, mejor, la costa se hunde. A este pueblecito se le está tragando el mar, y muy de prisa.


Praia de Espinho, Faustino António Martins, F. A. Martins, FAM Martins & Silva, MS, 1113 c. 1900.
Aveiro Cultura

El canal tiene aquí, por otra parte, algo de campesino ; parece como que se ruraliza. Sus lindes se confunden en muchas partes ; penetra en la tierra por lenguas de agua. Hacia Estarreja suelen verse velámenes de barcas cruzando un maizal, y en éste, al pie de los árboles, junto á los bueyes, remiendan y arreglan las redes de pesca las mujeres.

Espinho. Barco da pesca e costume, ed. Alberto Malva, década de 1900.
Aveiro Cultura

El campo y el mar verdes, como que se abrazan y mezclan bajo el cielo azul, ofreciéndonos la más fiel imagen de este Portugal campesino y marinero que con los leños de sus bosques aró los más remotos océanos. Y estas sus largas odiseas,


Espinho. Apparelhando o barco de pesca, ed. Violeta Primorosa (reimpressão n° 17), c. 1910.
Delcampe


Por mares d'antes nunca navegados

empezaron, sin duda, por las pesquerías. A los pescadores fué á quienes enseñaron á marear los genoveses, maestros en el arte de los rumbos.

Hay algo de dulce y de manso en este mar, que, aunque á menudo bravio, viene blandamente á besar la tierra y á mezclarse con ella, que no le opone erguidas rocas ni abruptos acantilados. Desembocan en él ríos mansos como el Vouga, y recueida uno el atrevidamente poético rasgo de Tomás Ribeiro cuando, en su lamentable D. Jayme, decía que el mar viene á ahogar su sed angustiosa en el sabroso néctar de los ríos portugueses.

O mar na terna lida porfiosa,
cansado de correr largos desvios,
vem aposar á sede angustiosa
no saboroso néctar de teus ríos.


En esta parte de la costa portuguesa, junten al labrador vive el pescador. Aquél siembra el lino y hace las cuerdas de las redes con que éste pesca, le provee de las maderas para sus barcas.

Espinho. Preparando o barco de pesca, ed. Violeta Primorosa (reimpressão n° 20), c. 1910.
Delcampe

Aquí, en las arenas de esta playa de Espinho, se ven descansar, de proa al mar, las barcas pescadoras. Recuérdanme lo que debieron ser las naves con que los aqueos arribaron á Troya, las naves homéricas. Son, de hecho, como ejemplares sobrevivientes de una especie ya en otras partes extinguida.

Espinho. Preparando barcos de pesca, ed. Violeta Primorosa, c. 1910.
Aveiro Cultura

Tienen, en efecto, algo de primitivo estas barcas sin quilla, fondo plano como el de las chalanas con su apuntada proa al modo de las góndolas, y en ella una cruz de remate. Viéndolas en tropa, cual extraña bandada de aves en reposo, diseñarse sobre el cielo, acuérdase uno de aquellos

esqueletos de galeras
que foram descobrir mundos é mares.


Hay algo de solemne en la suprema sencillez de esta visión para quien lo mira con ojos que recorrieron la historia trágicomarítima de este

Jardim da Europa á beira-mar plantado.

Luego son puestas las barcas en movimiento. Liénanlas con las redes, y, haciéndolas resbalar sobre rodillos, las empujan á las espumosas olas, playa abajo. Los tostados dorsos van apretando contra los costillares de las barcas. Dejan sujeto en la arena el cabo de una de las dos cuerdas de la red. Montan en cada barca unos treinta tripulantes, media docena para tender la red y demás menesteres, y diez ó doce á cada uno de los dos grandes remos.

Espinho. Barco de pesca, Ao Leão d'Ouro, ed. Joaquim Sequeira Lopes, c. 1910.
Aveiro Cultura

Pues dos tiene cada barca, como dos aletas, con un gran ensanchamiento central que hace de estrobo. Y allá van, bogando á alta mar, para arrancarle su sustento, brillando al sol sus bronceadas espaldas, cogidos del remo, como los galeotes, dándose cara media á media docena de hombres en cada uno de los dos remos. Aléjanse de uno á dos kilómetros — en invierno más, pues en verano la sardina se acerca á la costa — , y antes de char la red rezan todos piadosamente. En otro tiempo, los tripulantes de las diversas barcas se peleaban por el sitio en que habían de tender la red, y volvían algunos descalabrados de la refriega.

Espinho. Sahida para a pesca da sardinha, ed. Violeta Primorosa, c. 1910.
Delcampe


A las tres horais de haber salido, vuelven, trayendo el cabo de la otra cuerda. Y es un espectáculo emocionante, y á las veces solemne, ver á las barcas de levantada proa esperar, con el cuello erguido, olas favorables y embes- tir luego á la arena entre cascadas de espuma y gritería de los que las esperan. Y luego, á tirar de las dos cuerdas de la red para recogerla. Tiran desde la playa con parejas de bueyes.

Esto de sacar las redes con parejas de bueyes es lo que más carácter da á la pesca en Espinho, asemejándola á una labor agrícola y prestando asidero á la imaginación para cotejar con la labor de los campos en esta región en gue, como digo, el mar parece se ruraliza.

Espinho. A caminho da rede, ed. Emilio Biel & Ca. n° 134, c. 1900.
Delcampe

En otro tiempo sacaban las redes á brazo, y los que del campo bajaban á esta penosísi- ma labor, estaban exentos del servicio militar. Bien decía el que dijo : « Bendigamos al que primero domó el caballo ; pues, si no, la mitad del género humano estaría llevando á cuestas á la otra mitad. » (Y á pesar del caballo, algo así sucede.)

Durante cosa de dos horas tiran, pues, de cada una de las dos cuerdas de cada red unas diez parejas de bueyecitos rubios, de larga y abierta cornamenta, ocho tirando á la vez y dos de reveza. Y allá los veis caminar pausados por la fina arena que se les hunde bajo las hendidas pezuñas, mansos y sufridos, aguijados por estas mujeres descalzas con su ceñidor á medio vientre y su sombrerito de labradoras, un rodete.

Espinho. Regresso do local da pesca, ed. Joaquim Sequeira Lopes, c. 1910.
Aveiro Cultura

Ese ceñidor, una faja que se ponen sobre el vientre, bajo la cintura, es característico de las mujeres del Aveiro ; sírveles acaso de apoyo en sus esfuerzos. Y el sombrero responde á la costumbre de llevar las cargas sobre la cabeza.

Espinho. Praia da pesca, ed. Joaquim Sequeira Lopes, c. 1910.
Aveiro Cultura

Y allá van los bueyes, arando el mar — y así le llaman, lavrar o mar — , uncidos con estos curiosos yugos del Norte y Centro de Portugal. No tiran con la testuz como en Castilla, sino con el cuello y la cruz de las espaldas, sobre las cuales se inclina el yugo, una pieza cuadrangular, de madera de alcornoque, llena de dibujos y tallados decorativos, en cuyo centro se destacan á menudo las armas de Portugal pesando sobre los bueyes.

Tales yugos son una de las cosas más curiosas que hay que ver por aquí. Varían sus motivos ornamentales, de trazado geométrico casi siempre, y en los que el señor Joaquín de Vasconcellos quiere ver un reflejo de la decoración romántica de las portadas de los templos. En Oporto vi el otro día que ha empezado á formarse una colección de estos yugos, lo cual es muy plausible, pero tiene á la larga un peligro, y es que, empezando á coleccionarse yugos en un museo, se acabe por construir nuevos modelos de ellos con destino á el ¿ No se hace acaso, con ocasión de un centenario, sellos para los coleccionistas ? En cuanto el hombre da en coleccionar algo, ya este algo tiende á hacerse artificial y destinado á colecciones, sin que falte quien suponga si habrá un oculto dios marino entretenido en fraguar nuevos tipos de diatomeas para los que las coleccionan, ó un dios Silvano fabricando nuevos insectos para los entomólogos. ¿ No se hacen acaso tipos de perros para los "aperrados"?

Y, entre tanto, los bueyecitos rubios, cabizbajos al peso de sus ornamentados yugos, soportando las armas de Portugal, siguen playa arriba, trillando la arena y tirando de las cuerdas de la red.

Espinho. Tiragem da rede e costumes, ed. Casa Primorosa c. 1910.
Delcampe

Cuando ésta aparece ya á la vista, aflorando las cercanas olas sus flotadores, empieza un vocerío rítmico y se van reuniendo hombres y mujeres. El vocerío éste tiene, como el que levantan ai botar al mar las barcas, algo de rítmico, en efecto. Oyéndolo, y oyendo sobre todo el canto con que acompañan el remo, he llegado á sospechar si el "fado", ese melancólico y quejumbroso canto portugués, que parece pedido de limosna al Todopoderoso, nació al compás del golpe del remo sobre las olas del "saudoso" mar.

Por fin aparece la red sobre la arena, arremolínanse en su torno, y al abrirla chispea al sol la plateada masa, palpitante más que de vida, de agonía.

Y es un espectáculo trágico el de aquel montón de vidas expirantes que se agitan al sol, junto á las olas de que salieron, al rumor del fado eterno del mar. Traen sustento de vida á los hombres, y una vez más se nos aparece como un vasto cementerio ese océano donde acaso se inició la vida y en cuyo seno palpita pode- rosa. ¿ Pero es que estas arenas mismas, lecho 'de muerte, no son en su mayor parte, acaso, restos de caparazones de seres en un tiempo vivos ?

La arena misma, ¿ no es un vasto cementerio ? ¿ No lo es el mar ?

Y como hombre que lee, lleva, quieras que no, un pedante dentro, recordaba yo las teorías de Quintón sobre la cuna de la vida y cómo del mar salimos. ¿ Volveremos al mar ?

Métense hombres en la masa palpitante, hundiendo en ella sus bronceados pies, y á paladas, separando acá y allá algún pescado, van llenando los rapicheles ó redaños, especie de cestos de red en que dos hombres para cada uno llevan la cosecha á tenderla en la arena, donde se hace el cernimiento por mujeres.

No puede ser mayor la analogía con una labor agrícola. Los bueyes sacaron del mar la mies del pescado, apareció en la arena como en la era la parva, y ahora viene el aventarla.

Espinho. Sacco de rede com sardinhaed. Violeta Primorosa (reimpressão n° 10), c. 1910.
Delcampe

Sentadas en la arena van las mujeres haciendo el apartado. Lo más de lo que sacan es espadilla mezclada de cangrejos, y no vale más que para abono de las tierras ; de veinticinco á treinta mil reis la redada, es decir, de 130 á 160 pesetas.

Si es sardina, llega á valer hasta 300.000 reis, esto es, unas 1.600 pesetas.

Y como cosa extraordinaria, de esas que se recuerdan diciéndose, «en tal día de tal año... » se habla de alguna redada que valió un contó, mil duros.

Las gentes que del interior de Portugal y de España vienen á baños, escudriñan maravilladas la cosecha del mar, admirando las extrañas cataduras de tantos peces que nunca vieron, por lo menos vivos. Son de oir los comentarios de los de tierra adentro.

La multiformidad de la vida es un espectáculo de interés inagotable, y un placer de los más puros ver al natural, y en vivo, lo que acaso se vio en estampa, sin acabar de dar crédito á su existencia.

Hacen la selección de la pesca, y luego se subasta allí mismo, en la playa, y en el momento de la subasta aparece el hombre fatídico de uniforme, el odiado ministro del Estado, el implacable representante del Fisco. Lo que cuesta ser nación, y nación pobre !

Espinho. Costumes portugueses. Venda de sardinha, ed. Violeta Primorosa, c. 1910.
Aveiro Cultura


En una charla que tuve con uno de los pescadores, las dos palabras que más se le venían á los labios eran las de contribución y la de hambre. Por dondequiera les persigue el Fisco, forma la más concreta que para ellos toma el Estado.

Parte de la pesca va á la fábrica de conservas, y allí se les ve descabezando y destripando sardinas, cuyos sanguinolentos despojos quedan en la arena para las gaviotas, parte va á la venta al detalle y una parte mayor en carretas celtas para abono de los campos. Los cangrejos no tienen otro destino. Y aquellos mismos bueyecitos rubios, de larga y abierta cornamenta, que tiraron de la red, llevan á los campos, en unos carritos del más antiguo tipo, en unos carritos célticos, de ruedas macizas, haciendo una sola pieza con el eje, y con dos aberturas para aliviarlas del peso, el abono sacado al mar.

Así vuelve la muerte á dar vida, y así devuelve el mar á la tierra algo de lo mucho, de lo muchísimo que de ella los ríos llevan á su seno. Y luego veis en el campo, junto á un maizal, ó junto á un linar de donde salen las redes, un montón de cangrejos ó de espadillas, pudriéndose al sol para enriquecer la tierra. Días pasados estaba yo en la playa viendo sacar las redes á la hora en que iba el sol á acostarse en sábanas de niebla sobre las aguas. Me aparté un poco del sitio donde vaciaban la red, para mejor gozar de la puesta del sol. Una puesta de una solemne majestad religiosa. Al ir á acostarse entre las leves brumas del ocaso, iba cambiando de forma el globo de fuego, como bajo el toque 6.c los dedos de algún invisible alfarero.

Era, en efecto, como cuando la masa de arcilla va transformándose dentro de un tipo general de vasija, al toque del alfarero. Luego empezó á hundirse en las aguas, y cuando parecía flotar sobre éstas un pequeño lago de oro encendido, reco- rríanlo de extremo á extremo vagas sombras. Cruzaban el cielo, sobre las olas, algunets gaviotas avizorando los despojos de la cosecha, y en la arena tendidas las parejas de bueyes, mientras los hombres subastaban la pesca, rumiando aquéllos, afanándose éstos, veían indiferentes, sin mirar, la puesta del sol en el seno del Océano. En sus grandes ojos mansos, ojos homéricos, se ponía también el sol en un mar tenebroso.

Espinho. Arrasto das redes de pesca, ed. Reis (Aurélio Paz dos?) & Dias, c. 1910
Delcampe

¡ Hermosa evocación ! El sol muriendo en las aguas eternas y los peces en la arena, los hombres mercando su cosecha marina, el mar can- tando su perdurable fado, los bueyes rumiando lentamente bajo aus ornamentados yugos, y, allá á lo lejos, las oscuras copas de los pinos empezando á diluirse en el cielo de la extrema tarde. Y junto á los pinos, en la costa, unos cuantos molinos de viento, sobrevivientes tam- bién de una especie industrial que empieza á ser fósil, moviendo lenta y tristemente sus cuatro brazos de lienzo.

Esta contemplación de la puesta del sol marino brisado por la canción oceánica, es una de las más puras refrigeraciones del espíritu ; pero, al detenerme así á mirarle con interés, temo que saque de entre las olas un brazo de luz y, extendiéndomelo, exclame quejumbroso: dez reísinhos, senhore!

Espinho. Pequenos vendedores de sardinha, ed. Grandes Armazens Herminios.
Delcampe


No he presenciado, gracias á Dios, tormenta alguna que haya cogido á los pescadores en el mar, pero me dicen que es imponente espectáculo. Las mujeres chillan y lloran — aquí el canto es lloro y el lloro chillido — , acuden á la ermita de Nuestra Señora de la Ayuda y allí, de rodillas ante el templo cerrado, mezclan ruegos con imprecaciones.

¡ Cuán diferente el espectáculo de la pesca aquí y en la costa de mi tierra, en la brava costa cantábrica ! La botadura al mar de estas barcas seculares y la salida de las traineras de Bermeo, v. gr., son dos cosas que apenas se parecen. Como no se parece aquella costa de ásperas rocas á esta de blanda arena.

Espinho. A caminho da pesca, ed. Violeta Primorosa.
Delcampe

Del siglo XII al XVI progresó la industria pesquera en Portugal. De las colmenas de pescadores salieron los navegantes, y las grandes navegaciones acabaron con las pesquerías. A mediados del siglo XIV, las ciudades de Lisboa y Oporto celebraban con Eduardo III de Inglaterra un tratado para el derecho recíproco de pesca en ambos países durante cincuenta años. Eran tiempos en que iban á la pesca de la ballena.

A principios del siglo XVI se acusa la decadencia, como efecto de los grandes y gloriosísimos viajes. De ochenta barcas de pesca que había en Vianna en 1580, no quedaba ni una sola en 1619 : todo lo arrastró la navegación al Brasil. Lo único que estas navegaciones les trajo para la industria pesquera fué el ir á los mares del Norte á pescar bacalao, lo cual perdieron luego, recobrándolo posteriormente.

Iban los navios portugueses en el siglo xvi á pescar bacalao en Terranova, y según el Tratado das ilhas novas, escrito por Francisco de Sousa en 1570, cuando esos navios fueron entre 1520 y 1525 por primera vez allá, se perdieron sin que se supiera de ellos sino por via de biscainhos que continuam na dita costa á buscar e á rescatar niuitas cousas que na dita costa ha.

Hay quien dice — el P. Carvalho en su Chorographia portuguesa por lo menos — que los portugueses descubrieron Terranova ; en mi tierra se oye decir que los balleneros vascos llegaban allá antes del primer viaje de Colón á América.

Espinho. Consertando as redes de pesca, ed. Violeta Primorosa, c.1910.
Delcampe

¡ Qué tristeza infunde, después de recorrer con la memoria la espléndida historia de las glorias marinas de Portugal, la patria de los más grandes navegantes, ñjar ln vista en estos pobres mansos bueyecitos rubios tirando playa arriba las cuerdas de las redes, sumisas sus astadas testuces bajo los ornamentados yugos en cuyo centro brilla el blasón, un tiempo resplandeciente de gloria, de Portugal !

Espinho, Agosto 1908. (1)


(1) Miguel de Unamuno (1864-1936), Pesca de Espinho, Por tierras de Portugal y de España, 1911

Artigo relacionado:
A procura da arte e da xávega (em Espinho)
 
Museu de Espinho:
Museu Municipal de Espinho (esposições permanentes): Arte-Xávega
Museu Municipal de Espinho (blogspot): As origens da pesca com Arte-Xávega
Arte-xávega
As origens da pesca com arte-xávega
A fixação permanente dos núcleos piscatórios
A pesca com arte-xávega
O "barco-do-mar"
O pescado
As companhas

Padre André de Lima, Espinho: breves apontamentos para a sua história, 1903:
Espinho: boletim cultural. Vol. 1 n.º 1 (1979)
Espinho: boletim cultural. Vol. 1 n.º 2 (1979)
Espinho: boletim cultural. Vol. 1 n.º 3 (1979)
Espinho: boletim cultural. Vol. 1 n.º 4 (1979)

Mais informação:
Carlos de Passos, Barcos de pesca, Terra Portuguesa n° 35/36, dezembro 1922
Alfredo Pinheiro Marques, A arte-xávega da Beira Litoral e as suas embarcações, Revista da Armada n° 555, setembro-outubro de 2000
Jorge Branco, Pesca Tradicional na Laguna de Aveiro: Cais, Embarcações e Artes

Leitura adicional:
Raul Brandão, Os Pescadores, Paris, Ailland, 1923, 326 págs, 127,7 MB
Clara Sarmento, Práticas, discursos e representações da cultura popular portuguesa, 2007
Henrique Souto, Comunidades de pesca artesanal na costa portuguesa... 1998
Adolpho Loureiro, Os portos maritimos de Portugal e ilhas adjacentes, 1904
Maria João Marques, Arte Xávega em Portugal

sábado, 1 de novembro de 2025

Costa da Caparica, reportagem Teófilo Rego

Teófilo Rego nasceu a 2 de Julho de 1914 no Brasil, viajando para Portugal em 1924. No ano seguinte ingressa nas Oficinas Marques Abreu: zincogravura, fotogravura, símile-gravura (Porto), importante oficina no panorama das artes gráficas e de edição fotográfica em Portugal.

Costa da Caparica. Aspecto da praia, Teófilo Rego, 1970,
ed. Centro de Caridade Nossa Senhora do Perpétuo Socorro n° 629.
Delcampe

Nas oficinas trabalhou inicialmente como tipógrafo impressor passando posteriormente para a área da gravura, onde aprendeu também fotogravura e tipografia.

Costa da Caparica. Teófilo Rego, 1970,
ed. Centro de Caridade Nossa Senhora do Perpétuo Socorro n° 614.
Delcampe

Em 1944 começa a trabalhar nas oficinas Lito Maia (Porto) como fotógrafo de fotolito, onde permanece dois anos.

Costa da Caparica. Preparando as redes, Teófilo Rego, 1970,
ed. Centro de Caridade Nossa Senhora do Perpétuo Socorro n° 615.
Delcampe

Teófilo Rego filiou-se no Grémio Nacional dos Industriais de Fotografia (Lisboa), Sindicato dos Trabalhadores Gráficos dos Distritos do Porto, Bragança e Vila Real, Associação Fotográfica do Porto, e Associação Nacional dos Industriais de Fotografia, a qual emitia a carteira profissional e licença fotográfica.

Costa da Caparica. Pescadores saindo para o mar, Teófilo Rego, 1970,
ed. Centro de Caridade Nossa Senhora do Perpétuo Socorro n° 173.
Delcampe

No ano de 1947 inaugura o Estúdio Foto-Comercial na Rua da Alegria nº 482, no Porto, onde desenvolveu o seu trabalho até 1956, quando muda o estúdio para a Rua Santa Catarina nº 1583.

Costa da Caparica. Puxando a barca para a pesca, Teófilo Rego, 1970,
ed. Centro de Caridade Nossa Senhora do Perpétuo Socorro n° 613.
Delcampe

Após a sua morte em 1993, o negócio continua com a sua filha e neta até o ano de 2001.

Costa da Caparica. Teófilo Rego, 1970,
ed. Centro de Caridade Nossa Senhora do Perpétuo Socorro n° 621.
Delcampe

No domínio do fotojornalismo fez trabalhos de reportagem para o Diário do Norte, assim como reportagens encomendadas pelo Secretariado Nacional da informação, Cultura Popular e Turismo (SNI) como a visita do General Franco ao Porto e Bussaco, de Oliveira Salazar a Braga, ou da visita da Rainha de Inglaterra Isabel II à Feitoria Inglesa no Porto.

Costa da Caparica. Teófilo Rego, 1970,
ed. Centro de Caridade Nossa Senhora do Perpétuo Socorro n° 1180/A.
Delcampe

Também fotografou para edição de coleções de postais como, por exemplo, as encomendas para a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro (Porto). (1)


(1) Fátima Barradas, O fundo fotográfico Teófilo Rego... 2015