sábado, 26 de agosto de 2017

Palácio do Corpo Santo

A origem deste nome está no culto de S. Telmo, ou seja de S. Pedro Gonçalves Telmo, padroeiro dos pescadores, à qual os devotos chamavam Corpo Santo; a imagem venerava-se numa ermidinha quinhentista de Nossa Senhora da Graça que ficava no princípio da Travessa do Cotovelo, já na proximidade do largo actual, do lado norte [...]

Esta imagem, aqui horizontalmente invertida, é uma mistificação.
Baseada no original de Dirk Stoop de 1662, "O Palacio do Infante D Pedro em o Corpo Sancto em Lisboa" (v. a próxima imagem), foi, em 1707, invertida e publicada com figuras diferentes do original no primeiro plano e ao fundo, em Les delices de l'Espagne et du Portugal, tomo IV, em 1729 La galerie agréable du monde... ou em Annales d'Espagne et de Portugal, tomo III de Juan Alvares de Colmenar/Pieter Vander Aa.
Amplamente reproduzida e distribuída, durante mais de 80 anos, também a legenda foi adaptada aos acontecimentos que iam decorrendo.
Quando referente ao caso dos Távoras, em 1759, que foi divulgada pretendendo-se como representando o Palácio do Duque de Aveiro que seria depois arrasado.
A presente versão, "Palais du Comte d'Avero  á Lisbonne oú Charles III a été logé", é também um erro, pois Carlos III, de facto, esteve alojado no palácio dos condes de Aveiras, o actual Palácio de Belém.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Corte Real, palácio que foi habitado por El-Rei D. Pedro II, não só quando Infante, e Regente, mas quando já aclamado rei, lhe chamaram os tombadores — da Corte-Real, e com eles alguns autores também, e o próprio povo.

Ou ainda da Corte-Real, em lembrança persistente através os tempos, ainda que provàvelmente já inexplicada, da antiga proprietária, D. Margarida Corte-Real, falecida em 1610, e que tendo casado com o célebre Cristóvão de Moura, Vice-Rei de Portugal por Filipe de Castela, viu levantar-se o magnífico palácio, por determinação de seu marido, nos terrenos que de séculos eram herança de seus avós. (1)

O Palacio do Infante D Pedro em o Corpo Sancto em Lisboa
Gezicht op het paleis van Don Pedro te Lissabon, Dirk Stoop, 1662.
Imagem: Rijksmuseum

Depois da Ribeira das Naus, apparecia-nos, mais ao Poente, o arrogante palácio do Côrte-Real, que o povo chamava, sem saber porquê, "a Côrte-Real".

Compunha-se o palácio de quatro lanços com uma quadra ao meio; flanqueavam-n-o quatro torreões acoruchados, com altas grimpas: dois para a terra, e dois para o Tejo; e d'estes últimos destacavam-se dois compridos eirados, sobranceiros á linha da agua, que lhes vinha beijar o embasamento. No intervallo entre estes eirados, um jardim.

Se não existissem muitas estampas, de que possuo algumas, que nos mostram claramente a forma e ímportância celebre d'esse palacio, bastaria a admiração com que d'elle falam nos falam os centemporaneos, para nos demonstrar quanto era estimada em lisboa aquella bonita peça de architectura fillippina.

Depois de mencionar uma capella que havia n'este largo, e de que vou dentro em pouco tratar, diz o poeta da Relação de 1626:

Junto d'ella logo as casas
de architectura soberba
de Mouras Côrte-Reaes,
de bem Real apparencia.

E ha milhares de fragatas
na praia aqui junto d'ellas,
em que por pouco dinheiro
quem quer no mqr se recreia.

Depois d'esse autor portuguez, oiçamos como fala da casa o viajante francez Monconys em 1628:

"A residência do Marquez de Castello-Rodrigo — diz elle em plena dominação castelhana — é situada á beira do mar, e é das mais magnificas de Lisboa. Tem quatro formosos lanços de edificios flanqueados de torreões, e uns terraços onde se passeia, e que dominam o Tejo."

Como illustração ao texto, denuncio aos estudiosos uma bellisima gravura em cobre assignada por Van Merle, e intitulada "Veüe st Perspective du Palais du frere du Roy de Portugal a Lisbonne". Tenho-a nas minhas collecções. O primeiro plano representa a Ribeira das Naus; ao fundo o vulto imponente do palácio, e muito ao longe as tercenas de Santos. Mais ao longe a barra.

Vue et perspective du palais du frère du Roi de Portugal a Lisbonne, Van Merle/Louis Meunier, 1668.
Imagem: Biblioteca Digital Hispánica

Ir habitar a rainha D. María Francisca no paço da Ribeira, onde habitava também, encarcerado, seu primeiro marido... era repugnante, a ella própria.

Determinou, ao deixar o remanso de Alcântara, ir morar no palácio do Côrte Real (no nosso largo do Corpo Santo), separado do paço da Ribeira apenas pela Ribeira das naus; para o que, deu ordem o Regente a que se construísse um passadiço entre os dois palácios.

Vué du Palais Royal de Lisbonne [Palácio da Ribeira e, em 2.° plano, o do Corpo Santo].
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

"Mora el-Rei D. Pedro n'um palácio particular, por elle comprado no tempo em que ainda era Infante, isto é durante o reinado do senhor D. Affonso VI [engano, anotado por Julio de Castilho].  Fica este palácio á ourela do Tejo; compõe-se de quatro formosos lanços, e flanqueiam-n-o quatro torreões. Tem mais dois eirados, e galerias para passeio ao rés das aguas.


Foi o edifício confiscado ao Marquez de Castello-Rodrigo, por ter este Marquez seguido a parcialidade castelhana ao tempo da revolução. Verdade seja, que, segundo o tratado entre as duas Coroas, todos os seus bens deviam ter-lhe sido restituídos; mas o certo é que ainda esta propriedade lhe não foi entregue.

Vué du Palais du Palai que le Roi du Portugal a achetér.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Chamam-lhe o palácio do Corpo-Santo, por causa da capella que lá existe." [cf. Don Juan Alvares de Colmenar — Annales d'Espagne et de Portugal, tomo III, pag. 268 da ed. de Amsterdam, 1741.] (2)

Pela marca de água do papel, o desenho é da segunda metade do século XVIII donde posterior ao terramoto que arruinou o edifício. A partir deste dado podemos concluir que o alçado e planta estarão ligados a uma tentativa de restaurar o edifício.

Palácio do Corpo Santo ou do Corte Real, andar nobre, 1755-1800.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

O alçado mostra o acrescento de um último piso que corresponde às grandes obras do palácio quando passou a habitação oficial do Infante D. Pedro, futuro D. Pedro II.

Palácio do Corpo Santo ou do Corte Real, alçado principal, 1755-1800.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Esta passagem corresponde, por sua vez, à expropriação do edifício aos Marqueses de Castelo Rodrigo após 1640 pelo seu apoio à causa dos Filipes de Espanha. (3)

"O seu palácio, junto ao Paço da Ribeira , teve largos acrescentamentos e adornos consideráveis que mais tarde ali prodigamente realizou o vice-rei de Portugal, valido dos Filipes, D. Cristóvam de Moura, marquês de Castelo Rodrigo, capitão-donatário da Terceira e S. Jorge, pelo seu casamento com D. Margarida Corte-Real, bisneta de Vasco Anes."

Cristovão de Moura e Távora (1538-1613), Marquês de Castelo Rodrigo.
Quasi seguro de vencer pelo oiro todos os corações [Filipe II de Espanha], mandara ao seu ministro [D. Cristovão de Moura], que alem de alliciar para o seu serviço o comitre [oficial das galés] hespanhol Contreras, que recebia soldo a bordo das galés de Portugal (ajuste que se realisou sem custo), procurasse attrahir os governadores das fortalezas de S. Julião e de Caparica [...] O embaixador, sempre diligente, não se demorou em o satisfazer [...] Caparica dava-lhe pouco cuidado [...] O governador era um dos Tavoras, Ruy Lourenço, seu primo, e de ha muito, asseverava elle, que lhe dera a sua palavra; como porém fosse moço e inexperiente, o ministro promettia chama-lo de novo, e assegurar se da sua deslealdade á pátria, e da sua fidelidade aos interesses castelhanos [v. o contrassenso da iconografia relacionada no apontamento irónico Torre Velha por dom António].
cf. Rebello da Silva, História de Portugal Tomo I, Lisboa, Imprensa Nacional, 1871
Imagem: Santiago Martínez Hernández

"O palácio do marquês, ao Cata-que-farás, a S. Paulo, junto ao cais do veador, entestando com o Paço da Ribeira, em Lisboa, ficou, mercê das obras vultuosas que lhe realizou o Castelo Rodrigo, um dos mais vastos , mais belos e magnificentes edifícios da corte, competindo com as principais casas senhoris da Europa.

Passava ali certo homem conversando com um amigo; e, diz um anexim que "quem faz casa na praça, uns dizem que é alta, outros que é baixa", commentaram, já se vê, a edificação:

— Grande casa! — diz um. — O dono fel-a ou veiu-lhe já seus passados?
— Fel-a — tomou o outro. — Não foi dos seus "passados", seria talvez dos seus "presentes".

Brasão de Castelo Rodrigo, escudo com as armas reais ao revez, dado pelo Rei D. João I em castigo por a vila ter tomado partido por Castela na crise de 1383-1385.
Imagem: Inácio de Vilhena Barbosa, As cidades e villas da monarchia..., 1860

Era uma alusão irónica aos benefícios que o Castelo Rodrigo abundantemente recebia de seu real amo castelhano – porque o marquês, como seu bisavô por afinidade, Vasco Anes Corte-Real, era insaciável em pedir e obter graças régias."

Nesta bela gravura podemos apreciar a sumptuosidade do palácio do Corte-Real, também conhecido pela Corte-Real. Após a restauração da independência de Portugal em 1640, este Palácio, bem como todos os bens de D. Margarida Corte Real e de D. Cristóvão de Moura foram-lhes confiscados. 

Vuë du palais du roy de Portugal, à Lisbonne, Stelzer.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Depois de ter sido moradia de D. Pedro II, que subiu ao trono em 1683 e faleceu a 25 de Maio de 1786, voltou à posse dos descendentes de D. Cristóvão de Moura e de D. Margarida Corte Real, que o venderam a D. Pedro III, tio e marido da Rainha D. Maria I.

The Ribeira Palace before its destruction on 1 November, 1755.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Não foi o terramoto de 1755 que destruiu completamente o Palácio Corte Real, mas sim um voraz incêndio que ocorreu em 1781, consumindo em menos de quatro horas 185 aposentos em que se contavam 18 salas reais, com todo o seu recheio de sumptuoso mobiliário e os quatro majestosos torreões dos cantos. (4)


(1) Revista Municipal n.° 83, Câmara Municipal de Lisboa, 1959
(2) Julio de Castilho, A Ribeira de Lisboa, Lisboa, Imprensa Nacional, 1893
(3) Fundação Casa Rui Barbosa
(4) Sociedade de Geografia de Lisboa

Informação relacionada:
Península, Revista de estudos ibéricos n.° 5, 2008
Cronologia breve da Torre Velha (1 de 3)
Torre Velha por dom António
Alcântara (a batalha)

quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Catarina de Bragança por Dirk Stoop

O lindo cabelo de Catarina é de um castanho quente, as sobrancelhas são delicadamente arqueadas, e ela usa um vestido azul com renda formando um decotado alto. O nó de cabelo, como Miss Strickland lhe chama, repousa numa curva plana sobre a cabeça e a testa. O rosto é de uma criança — inocente, pura, encantadora; mas a boca mostra vontade própria e parece como se opinasse.

Catarina de Bragança, infanta de Portugal, em 1660-1661, Dirk Stoop.
Imagem: Alchetron

Se Catarina, com este penteado inconveniente, pôde entusiasmar a admiração de Charles, poderia tê-la entusiasmado muito mais com a moda de pentear que mais tarde adoptou [...]

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A valiosa série de sete imagens de Stoop que representam a viagem de Catarina para Inglaterra são do maior auxílio e importância para nos dar uma visão exacta desses tempos e eventos. A partir delas, é possível ver com precisão todo o desenrolar do acontecimento [clique nas imagens para ampliar].

A magnífica entrada do embaixador e almirante Montagu em Lisboa

"O Magnifique Entrada do Ambassador e Admiral Montagu em Lixboa" and "The Entrance of the Lord Ambassador Mountague into the Citty of Lisbone the 28 day of March 1662"
Dedication to Lord Montague in Latin in three lines in the lower margin: "... Dedicat Theodorus Stoop suae Matis. Regina Anglia Pictor" cf. British Museum
Imagem: Rijksmuseum
Sandwich landed on a bright and lovely spring day, and at once stepped into one of the royal state coaches which had been sent to meet him. His entry was a public and state one. It was March 28, and Lisbon looked her most enchanting. A long train of state coaches, unglazed and open, as was then the fashion, wound at a foot-pace to the gates of the city, whose grim and sturdy defences scowled down on the approaching triumph. 

The ambassador rode with six horses and postillions. Heralds, mounted and trumpeting, preceded him. On either side of his coach marched an escort of gentlemen and pages on foot, their plumed hats in hand, and swords at their sides [...]

Reais festas e arcos triumfais em Lisboa que se fizeram na partida da Sereníssima Dona Catarina rainha de Grã-Bretanha

"The publique proceeding of the Queenes Matie. of Greate Britaine through ye Citty of Lisbone ye 20th day of Aprill 1662" and "Reais Festas e arcos triumfais Em Lixboa q. se Fuzerao no Partido da Serenssa. Donna Catarina Rainha de gram Bretanha"
Numbers 1-8 indicating persons or places of the composition, explained in an English key in the left and right corner of the lower margin.
Dedication to King Charles II in the centre of the lower margin in Latin: "... Carolo IIdo D.G. Magnae Britanniae Franciae et Hiberniae Regi.... consecrat. Theod. Stoop. 1662" cf. British Museum
Imagem: Rijksmuseum

On April 23 everything was ready for the departure, and the Royal Charles waited to receive Catherine on board. Poor Catherine had now to part from her mother, whom she dearly loved, and who from the day she was born had lavished on her affection and indulgence. 

On this morning Catherine came from the apartments of the Queen Regent, closely followed by her two brothers, King Alphonzo and Dom Pedro. Behind them stepped, in a long and imposing procession, with all the dignity and solemnity of a Portuguese function, the grandees of the kingdom, the officers of the household, and the Court nobles [...]

Vista de Lisboa e como a rainha da Grã-Bretanha embarcou para Inglaterra

"The manner hon her Matie. Dona Catherina jmbarketh from Lisbon for England" and "Vista de Lixboa e cum o rainha da gran Bretan se Embarguo per Englaterra"
Numbers 1-8 indicating persons or boats of the composition, explained in an English key in the left and right corner of the lower margin.
Dedication to Francisco de Mello in the centre of the lower margin in three lines in Spanish: "... Francisc de Mello Conde da Ponte Marques de Sande.../ ... Dedicat V.C. Rodrigo Stoop" cf. British Museum
Imagem: Rijksmuseum

Directly the barge began to move deafening salutes of cannon burst out a new, and never ceased till Catherine came to the side of the Royal Charles, which had a complement of six hundred in her crew, and was a ship of eighty brass cannon.

Catherine was helped up the companion — which was one of special ease for her accommodation. As soon as she reached the deck of the Royal Charles a royal salute was fired by the fleet, and answered from the forts on shore, the guns firing alternately [...]

O encontro com o duque de York no Canal entre a frota de Inglaterra

"The Duke of York meeting with ye Royal Navy after it came into the Channel" and "O cheqado duque de Jorck no Cannal entro o Froto d'Englaterra"
Numbers 1-16 indicating ships of the composition, explained in an English key in the left and right corner of the lower margin.
Dedication to the Prince James Duke of York in the centre of the lower margin in three lines in English: "...This plate is humbly dedicated by his most obedient and humble servant Ro. Stoop" cf. British Museum
Imagem: Rijksmuseum

There was real danger now and then to the fleet, and the northwest wind blew with such violence that several of the ships suffered damage. This made it necessary to run for Mount's Bay, between the Lizard and the Land's End, to seek shelter till the wind should moderate enough to let them safely continue the voyage.

This was the first slice of her new territory that the bride-Queen of England saw. The people welcomed her with fireworks along the shore, and fired salvos of artillery. At last the Isle of Wight came into sight, and there the fleet dropped sail, for the Duke of York, her bridegroom's brother, was putting out from Portsmouth to meet and welcome her [...]

Desembarque da rainha de Grã-Bretanha em Portsmouth, 25 de maio

"The Maner of the Queenes Maties. Landing at Portsmouth" and "Dis Embarcasao de Rainha da Gran Bretan em Portsmuit 25 majo"
Numbers 1-10 indicating ships of the composition, explained in an English key in the left and right corner of the lower margin.
Dedication to the Prince James Duke of York in the centre of the lower margin in three lines in English: "...This plate is humbly dedicated by his most obedient and humble servant / Roderigo Stoop" cf. British Museum
Imagem: Rijksmuseum

It was a glorious day in May, the 14th, when the fleet was seen from the Portsmouth forts sailing up the Solent. Rather it was the combined fleets, for the Duke of York had added his as escort. The Royal Charles came into sight, all sails set, and the royal ensign streaming in the wind. Directly behind came the Duke of York's ship, bearing the standard with the second son's cognizance.

The Royal Charles cast anchor off Spithead, and the Duke of York was immediately at her side with his own handsome barge; but it was in the Montagues barge that Catherine started for the shore. They rowed to the Sally Port, while mobs of cheering and excited people crowded the bastions. The Countess of Penalva had to be left behind on board the Royal Charles^ as she was ill of a fever, and had to be bled several times before she could be brought ashore [...]

A chegada de Portsmouth a Hampton Court

"The Comming of ye King's Matie. and ye Queenes from Portsmouth to Hampton Court" and "Passage du Roi de gran Bretanha Carolo II e o Rainha Dona Catarina de Portsmuit per a Hamton court" cf. British Museum
Imagem: Rijksmuseum

After the long, hot, dusty journey in a lumbering, jolting coach, she must have been thankful to see her own rooms before her, and to rest from her fatigues. The general impression she made was very favourable.

Pepys relates that the people said of her that "she was a very fine and handsome lady, and very discreet, and that the King was pleased enough with her." [...]

Entrada publica.... na cidade de Londres e como foi magnificamente recebida pela nobreza e povo desta cidade, 2 de setembro de 1662

"The triumphal entertainment of ye King and Queenes Maties. / by ye Right honble. ye Lord Mayor and Cittizens of London. / at their Coming from Hampton Court to Whitehall (on ye River of Thames) / Aug ye 32 1662" and "Entrada publica .... 2 de sept 1662"
Dedication to John Frederick the Lord Mayor of the City of London in the lower margin in two lines in English: "...This plate is humbly dedicated by his most obedient and humble servant Rod. Stoop"
cf. British Museum
Imagem: Rijksmuseum

The shores of the river were lined with soldiery, and mobs of eager people pressed on each other to see the sight. When they came within eight miles of London they had to alight from their barges, and reembark in others, so much larger that they could not come further up the river.

This inconvenient change of barge might have been considered sufficient. The second barge had glass windows and a crimson and gold canopy. But at Putney there was another disembarkation, and at last the Royalties were in the state barge, prepared for the entry.

Four-and-twenty watermen rowed her. They were in red from head to foot. On the barge's sides and bow were the royal arms, and the canopy of gold brocade flashed back the sunshine to the gilding within and without. The canopy had plumes of feathers at the corners and top.

In Stoop's plates Catherine is shown sitting beneath it, and delightedly watching the procession of boats. She is pictured as very slight, very girlish — almost infantile — and very sweet. She looks animated and happy. She had forgotten for a while her tears [...] (1)


(1) Lillias Campbell Davidson, Catherine of Bragança..., London, John Murray, 1908

Mais informação:
Rijksmuseum
British Museum
Catherine of Braganza, the portuguese queen of England, Gresham lecture by professor Thomas Earle
D. Catarina de Bragança, triste vida a das princesas

Leitura relacionada:
Júlio Dantas, Cartas de Londres, Lisboa, Arthur Brandão & C.a

Referências:
Samuel Hinde [S.H.], Iter Lvsitanicvm, or, The Portugal Voyage: with what memorable passages interveen'd at the shipping, and in the transportation of her Most Sacred Majesty Katharine, Queen of Britain, from Lisbon, to England: exactly observed by him that was eye-witnesss of the same (London: 1662; repr. Edinburgh, 1662), accessed as an electronic resource at Early English Books Online, Henry E. Huntington Library copy (Wing: 603:08).
The poem does not extend to coverage of the waterborne pageant on the Thames.
A book of a similar name by Lilian Campbell Davidson, Iter Lusitania was published in London by John Murray in 1908.
It draws together a narrative of Catherine's journey and arrival in England, drawing on a range of documents but presented rather more in the form of an historical novel than an analytical account.
It does offer a description of the water pageant in chapter VII.

quinta-feira, 17 de agosto de 2017

O estadista

O reinado de D. José foi célebre devido ao grande ministro que o ilustrou. Há a citar apenas um acto do esposo de D. Mariana Vitória mas que valeu por muitos. Foi o facto de ter escolhido por deliberação própria e expontânea, Sebastião José de Carvalho e Melo, depois conde de Oeiras e marquês de Pombal como seu primeiro-ministro, e a constância e a pertinácia com que seguiu os seus conselhos e o conservou à frente do governo, apesar de todas as intrigas e de todas as guerras que a nobreza e o clero moveram contra ele.

Marquês de Pombal examinando o projecto da reconstrução de Lisboa (detalhe),  Miguel Angelo Lupi, 1883.
Imagem: Museu de Lisboa

O marquês de Pombal era muito inteligente, com uma vontade de ferro; tinha um carácter violento, despótico e cruel, mas era dono de uma actividade, de uma perseverança e de uma inflexibilidde a toda a prova.

Dotado de alta capacidade administrativa e de grande energia nos meios de execução, foi o maior ministro que Portugal teve até ao momento; e, apesar do seu governo tirânico e opressivo, a sua popularidade tem-se mantido inalterável.

O muito que fez pelo bem do seu pais eclipsou o que fez sofrer àqueles que quiseram contrariar, ou impedir, os magníficos actos  da sua administração.

No marquês de Pombal vê-se, nos meios de execução, o carácter violento e sanguinário do Cardeal Richelieu, o célebre ministro de Luís XIII, e, ao mesmo tempo, o sistemna Protector de Colbert, o grande ministro de Luís XIV, nas grandes medidas industriais, comerciais e económicas, menos a intolerância religiosa que, nos últimos anos do rei de França, contrariava o desenvolvimento das grandes ideias do seu ministro com a perseguição aos protestantes.

Poucos anos depois da sua exaltação ao trono, D. José presenciou o terrível terramoto de 1 de Novembro de 1755.

Ruínas da Ópera do Tejo, Jacques-Philippe Le Bas, 1755.
Imagem: Cabral Moncada Leilões

A cidade baixa foi a que mais sofreu; tudo o que estava compreendido no vale entre os montes da Graça, do Castelo e de Santa Catarina ficou arrasado. Os paços da Ribeira, como tudo o que existia neste bairro, ficaram completamente destruídos.
Os desastres que o horrível cataclismo produziu, agravados por outros não o menores, que o fogo desenvolveu, foram reparados em poucos anos, graças às sábias e prontas providências tomadas pelo génio enérgico e activo do grande ministro.

Ruínas da Praça da Patriarcal, Jacques-Philippe Le Bas, 1755.
Imagem: Cabral Moncada Leilões

O ilustre secretário de estado, após a monumental catástrofe reedificou a cidade de Lisboa, na parte baixa, que foi a que mais sofreu com aquelas calamidades. Neste ponto houve melhorias consideráveis, sendo as numerosas ruas estreitas e tortuosas que se compreendiam entre o Terreiro do Paço e o Rossio substituídas pelas que hoje vemos e que, para a época eram magníficas.

1755 Mapa Planta de Lisboa arruinada pelo terremoto de 1755 e com o novo plano de reconstrução dos architectos Eugenio dos Santos de Carvalho e Carlos Mardel 01.jpg

Os monumentos e palácios que foram destruídos, e os grandes valores e riquezas de todo o género que eles continham é que não foram substituídos.

1755 Mapa Planta de Lisboa arruinada pelo terremoto de 1755 e com o novo plano de reconstrução dos architectos Eugenio dos Santos de Carvalho e Carlos Mardel 03.jpg

Nesta época, em Lisboa, só havia uma publicação periódica, a "Gazeta de Lisboa", que era publicada semanalmente, às quintas-feiras. Tivemos a curiosidade de procurar como é que a gazeta deu aos seus leitores a notícia do grande acontecimento, e, no número de 6 de Novembro de 1755, o primeiro que saiu depois da grande catástrofe, encontrámos o seguinte:

A gazeta começa por dar nortícias de Paris e Fontainebleau, de 3 de outubro, da corte e das guerras de França, e de como, no parlamento de Paris, tinham sido condenados ao fogo dois painéis satíricos, revolucionários e indecentes.

Depois, traz notícias do Rio de Janeiro, do dia 10 de julho.

Seguem-se noticias de Portugal, nas quais se narra largamente a doença e o falecimemo do Dr. Joaquim de S. José, lente jubilado de Teologia na Universidade de Coimbra, que vaticnou a sua morte vaticinou a sua morte, acrescentando que, ardendo no ofícios fúnebres, e no acto do seu enterramento cento e cinquenta velas e quatro tochas, durante mais de uma hora, só se gastou milagrosamente apenas um arrátel de cera!

Por fim, a gazeta noticia a grande convulsão geológica, usando as seguintes palavras:

"O primeiro dia do corrente ficará memorável a todos os séculos pelos terramotos e incêndios que arruinaram uma grande parte desta cidade, mas tem havido a felicidade de se acharem nas ruínas os cofres da fazenda real e da maior parte dos particulares."

Lisboa, Terremoto de 1755, ex voto dedicado a Nossa Senhora da Estrela.
Imagem: Museu da Cidade de Lisboa

Numa nota, e como advertências, a gazeta anuncia que na loja onde ela é vendida tambem se vendem dois impressos contra os terramotos: um trazido de Roma pelo cardeal da Cunha, em 1732, do qual se serviam em Itália para se prevenirem contra os terramotos, os raios e as tempestades, fixando-o nas  portas ou nas janelas, e que em Chaves tinha mostrado a sua eficácia, pois tendo caído um convento, ficara ilesa a cela de um frade, que tinha pegado no dito papel;

o outro impresso continha orações do papa Benedito XIII (usadas para não se morrer de morte súbita) e proposto aos fiéis pelo pontífice Clemente XII numa altura em que havia em Roma muitas mortes repentinas, as quais, por esse facto, cessaram imediatamente.

É, forçoso reconhecer essas receitas, publicadas seis dias depois do grande cataclismo, eram muito tardias.

Não nos apressemos, porém, a rir do jornalista desse século, porque nos nossos dias, o correspondente de um jornal parisiense que visitou Portugal na altura dos desposórios de P. Pedro V escreveu para o periódico entre outras cois do mesmo quilate, que havia em Lisboa um inspector dos terramotos!

Alegoria ao Terremoto de 1755, ruínas da desaparecida igreja de Santa Catarina, João Glama Strobërle (1708–1792).
Imagem: Wikipédia

Em 1756, Francisco de Pina e Melo publicou um opúsculo para mostrar como o terramoto não podia ser um fenómeno natural pois a terra era imóvel! ["grande delírio he este dos que chamaõ sábios em dar ás cauzas naturaes os abalos da Terra, se só quem a fez com hum aceno, a pôde mover com huma palavra" cf. Francisco de Pina e de Melo, Juízo sobre o terremoto, Lisboa, 1756, p. 2, Sobre o mesmo assunto escreveu, o autor, um poema intitulado Parenesis ao terremoto do Primeiro de Novembro de 1755, Lisboa, 1756, fonte: B.N.P.]

O mais curioso é um disparate destes, em pleno século XVIII, receber e aprovação e louvores do frei Bernardino de Santa Posa, doutor em Teologia, do Santo Oficio, regente dos estudos, examinador das três ordens militares, etc.  Esse era o estado da instrução em Portugal nessa época.

Marquês de Pombal examinando o projecto da reconstrução de Lisboa,  Miguel Angelo Lupi, 1883.
Imagem: Museu de Lisboa

As reformas e os melhoramentos os melhoramentos que o ministro de D. José I tinha introduzido tinham levado grande parte da nobreza e do clero a conspirar contra ele. Os descontentes, vendo que o grande sustentáculo do ministro era ao rei, organizaram uma trama contra este.

Assim, na noite de 3 de setembro de 1878, D. José foi assaltado com tiros de bacamarte, quando se dirigia, numa sege, para uma das suas quintas, situada perto de Belém, tendo sofrido, porém, apenas um leve ferimento no braço esquerdo.

Atentado de 3 de setembro de 1878 contra D José I, Vieira Lusitano.
Imagem: Museu de Lisboa

Os réus deste atentado foram julgados pela Junta da Inconfidência. O rigor que houve para com os criminosos faz lembrar o governo do cardeal Richelieu em França, imitado em ocasiões semelhantes pelo marquês de Pombal, parando então de se parecer com célebres ministros do mesmo país, Sully e Colbert.

A Casa-dos-Vinte-e-Quatro pediu ao rei, a 16 de Dezembro de 1758, que não cedesse à sua natural clemência e que aplicasse torturas aos culpados do crime de 3 de setembro. A Câmara de Lisboa tinha muito boas relações com Sebastião José de Carvalho e Melo. Os réus foram executados na praça de Belém a 13 de Janeiro de 1759.

A marquesa de Távora D. Leonor Tomásia foi degolada; o duque de Aveiro, D. José de Mascarenhas foi rodado e maçolado vivo, tendo-lhe sido quebrados com uma maça de ferro os ossos dos braços, das pemas, do peito e da fronte depois queimado; o marquês de Távora, D. Francisco de Assis, foi rodado e maçolado vivo; o marquês de Távora, D. Luis Bernardo, filho do anterior foi garrotado e, depois, maçolado; José Maria de Távora, filho do marquês D. Francisco, idem; o conde de Atouguia, D. Jerónimo de Ataíde, idem; Braz José Romeiro, cabo de esquadra, idem; José Miguel, criado do duque, idem; Manuel Álvares Ferreira, guarda-roupa do duque, foi queimado vivo; José Policarpo de Azevedo, cunhado do anterior, conseguiu fugir, mas foi depois queimado em estátua.

Lisboa Belém Processo dos Távora "A view of the executions at Lisbon" 13 de janeiro de 1759.jpg

Todos os corpos dos supliciados foram queimados e as suas cinzas foram lançadas ao Tejo. 

Disse-se que entre os acusados figurava também a marquesa de Távora, D. Teresa de Távora e Lorena, filha do segundo conde de Alvor e casada com o seu sobrinho, o marquês de Távora D. Luis Bernardo, a qual tinha tido relações amorosas com o rei.

Todavia, D. José mantivera firmemente uma excepção para aquela que fora sua amante, tendo-lhe sido poupadas as penas, sem que houvesse insistência de Sebastião de Carvalho e Melo.

O terreno do local no qual se deu a tentativa de assassinato contra D. José foi salgado e determinou-se que não se edificasse mais nada ali: ainda hoje se lá ver uma coluna de mármore, tendo na base uma inscrição comemorativa daqule funesto acontecimento.

AQUI FORAM ARRASADAS E SALGADAS AS CASAS DE JOSÉ MASCARENHAS,
EXAUTORADO DAS HONRAS DE DUQUE DE AVEIRO E OUTRAS
CONDEMNADO POR SENTENÇA PROFERIDA NA
SUPREMA JUNCTA DE INCONFIDENCIA EM 12 DE JANEIRO DE 1759
JUSTIÇADO COMO UM DOS CHEFES DO BARBARO E EXECRANDO DESACATO
QUE NA NOITE DE 3 DE SEPTEMBRO DE 1758
SE HAVIA COMMETTIDO CONTRA A REAL E SAGRADA PESSOA DE D. JOSÉ I.
NESTE TERRENO INFAME SE NÃO PODERÁ EDIFICAR EM TEMPO ALGUM.

Aquela determinação, porém, acabou por deixar de se cumprir, construindo-se naquele terreno várias casas e barracas.

No mesmo ano 1759, a 3 de Setembro, os jesuítas, acusados também de serem cúmplices daquele atentado, foram expulsos de Portugal e dos seus domínios. Mas a guerra do conde de Oeiras aos jesuítas não se limitou a isto. Fez os maiores esforços junto do papa Clemente XIII para a extinção da ordem, no que foi também auxiliado pelas cortes de Versalhes. Madrid, Nápoles e Parma.

Medalhão do tecto da igreja de S. Roque.
Imagem: Wikipedia

Só, porém, no pontificado seguinte, quando o papa Clemente XIV governava a Igreja, é que este pontífice se viu obrigado a extinguir a Companhia de Jesus através de um breve passado a 21 de julho de 1773. Conta-se que essa resolução custou a vida ao Papa.

Sacristia da igreja (museu) de S. Roque, Lisboa.
Imagem: Google Arts & Culture

Suprimida a ordem dos jesuítas os seus bens foram confiscados e, em grande parte, empregados em Portugal em usos pios e de beneficência. A 31 de janeiro de 1775, foram concedidos Misericórdia de Lisboa os bens que os jesuítas possuíam no Largo de S. Roque, nesta cidade.

Sacristia da igreja (museu) de S. Roque, Lisboa.
Imagem: Google Arts & Culture

Pouco tempo depois da expulsão dos jesuítas de Portugal houve uma pendência entre o governo português e a santa sé, consequência da guerra entre o conde de Oeiras e os discípulos de Loiola, tendo, porem, como motivo ostensivo o facto de o núncio do papa não ter posto luminárias nas noites dos festejos do casamento da princesa do Brasil, D. Maria, que depois foi rainha de Portugal, com o seu tio, o infante D. Pedro.

Na sequência de uma carta dirigida, a 14 de junho de 1760, pelo secretário de Estado D. Luis da Cunha ao cardeal Acciaiuolli, núncio do papa neste corte, o ministro pontifício foi obrigado a sair em acto continuo de Lisboa para além do Tejo, e ao fim de quatro dias, para fora destes reinos. As relações com a cúria romana estiveram inrerrompidas até 1770, durante dez anos.

O reinado de D. José foi marcado por uma época de paz. Apenas houve guerra ern 1762. Por Portugal nas querer envolver-se na luta entre Espanha e Inglaterra, um exército espanhol, comando pelo marquês de Sarna [conde de Aranda], invadiu Trás-os-Montes, tomou Miranda, Chaves, Bragança e Almeida.

Vue perspective de la Bataille remportée par les Troupes Espagnoles et Françoises aux ordres de Mr. le Comte d'Aranda sur les Portugais aprés laquelle le Comte d'Aranda s'est emparé de la Place de Salvatierra ainsi que du Chateau de Segura sur le Tage ou il a laissé une partie de ses Troupes. Cette Ville a capitulé le seize Septembre 1762.
Imagem: alvor-silves

Foi depois encarregado de organizar e comandar o exército português o conde de Lippe que em pouco tempo expulsou os espanhóis de Portugal, estabelecendo a paz a 10 de Fevereiro de 1763. Portugal, recuperou então a colónia do Sacramento, e todas as terras que os espanhóis tinham tomado foram restituídas.

Quando, em 1761, sob a inspirção. do marquês de Pombal, apareceu um livro com o título "De Potestate Regia", no qual se exaltava o poder real sobre os outros poderes, o inquisidor D. José de Bragança, um dos "Meninos de Palhavã", filho de D. João V, entendeu dever perseguir o livro e o seu autor.

Admoestado pelo marquês de Pombal, irritou-se, tirou-lhe a cabeleira e deu-lhe ela na cara, chegando a puxar do punhal para o poderoso ministro. Por isso foi desterrado, juntamente somo seu irmão, para o Buçaco, onde os "Meninos de Palhavã" viveram de 1761 a 1777.

Após a morte de D. José I, a sua filha, D. Maria I, deu-lhes a liberdade. O príncipe regente, D. João, a 4 de fevereiro de 1801, declarou os "Meninos de Palhavã" inocentes do crime de atentado contra o poder régio: nessa altura, já só existia um, D. José, que fora inquisidor.

O número de reformas realizadas pelo marquês de Pombal foi imenso e extendeu-se a muitos ramos da administração. Aqui ficam algumas das principais:

em 1768 fundou a Imprensa Régia, hoje Imprensa Nacional; em 1751 estabeleceu-se o depósito público em Lisboa; em 1755 foi reformada a pauta do comércio; ern 1756 foi instituída a Companhia Geral de Agricultura do Alto Douro.

Houve no Porto uma revolta popular contra esta instituição, a 23 de Fevereiro de 1757, que foi cruelmente reprimida. Uma odiosa alçada na qual entravam o debochado e infame juiz João Pacheco Pereira de Vasconcelos e seu filho, foi à cidade da Virgem e condenou quatrocentas e oito pessoas, implicadas nos distúrbios, sendo executados dezassete no dia 14 de Outubro do mesmo ano.

Em 1761 criou-se o erário régio e foi fundado o Colégio dos Nobres; em 1772 foi reformada a Universidade de Coimbra, criando-se as faculdade de Matemática e de Filosofia e mandando-se vir do estrangeiro professores abalizados; desenvolveram-se o estudo de humanidades e a instrução primaria, que foram organizados de outra forma; em 1773,  foi [aprovada uma legislação para abolir] abolida a escravatura em Portugal. 

Na legislação, iniciaram-se várias inovações que eram o prelúdio de outras que, no mesmo sentido, e em larga escala, se fizeram no século actual. 

O marquês de Pombal auxiliou fortemente a indústria portuguesa em diversos ramos, dando subvenções a fábricas de sedas, louças, vidros, chapéus, relojoarias, tapeçarias, fundições ferro e serralharias, etc.; isentou de direitos muitas matérias-primas da indústria, pôs direitos proibitivos, segundo a escola de Colbert, sobre muito produtos de origem estrangeira, etc.

Estavam decorridos vinte anos depois do fatal terramoto de 1755 e, graças às diligências e à actividade incansável do marquês de Pombal, a cidade estava erguida das suas ruínas.

Marquês de Pombal, Louis-Michel van Loo e Claude-Joseph Vernet, 1767.
Imagem: Oeiras com História

Um grandioso monumento ia rematar e ornar a reedificação de Lisboa: com efeito, a 6 de Junho de 1775, era inaugurada com grandes pompa e solenidade a estátua equestre de D. José I, na grande Praça do Comércio, que continuou, contudo, a conservar junto do povo a antiga denominação de Terreiro do Paço.

Chegada a Lisboa da estátua de D José ao Terreiro do Paço, António da Rocha, 1775.
Imagem: Wikipédia

O desenho e a escultura da estátua e os acessórios foram de Joaquim machado de Castro; a fundição foi feita sob a direcção de Bartolomeu da Costa. (1)


(1) Francisco Fonseca Benevides, Rainhas de Portugal, Lisboa, Typographia Castro Irmão, 1878-1879

Informação relacionada:
O Marquez e a Trafaria

Leitura adicional:
José Augusto França, A reconstrução de Lisboa e a arquitectura pombalina, Lisboa, Livraria Bertrand, 1977 (1.ª edição)
O plano de Lisboa de 1758
João Lúcio d'Azevedo, O Marquez de Pombal e a sua epoca, ...,1922
Historia de reinado de el-rei D. José e da administração do marquez de Pombal
D. António da Costa, A reforma do Marquez de Pombal, O Académico, 1878

segunda-feira, 14 de agosto de 2017

Nossa Senhora do Monte e São Gens

Quem quiser gozar uma das mais lindas vistas da nossa querida Lisboa, não tem mais do que subir a calçada da Mouraria, travessa do Jordão (escadinhas), quebrar à esquerda o largo das Olarias, subir, à direita, a íngreme calçada do Monte e, chegando ao topo, virar à esquerda, de onde, consoante disse acima, se desfruta um lindíssimo panorama da nossa Lisboa, sem jeito de reclamo ao livro de Matos Sequeira e Luiz Pastor de Macedo que, com este título "Nossa Lisboa", foi publicado há pouco.

Vrbivm praecipvarvm mundi theatrvm qvintvm Georg Braun  [Georgio Braúnio Agrippinate], ao centro a Senhora do Monte e S. Gens, o Castelo de S Jorge e a igreja de S. Mamede, á esquerda a igreja da Conceição Velha,Franz Hogenberg (detalhe), 1598.
Imagem: Wikipedia

Ora, quem vai a êsse elevado ponto da capital pode visitar a ermida de Nossa Senhora do Monte e S. Gens, de que vamos dar pequena notícia bebida num folheto de Joaquim José da Silva Mendes Leal, escrito em 1860 [Descripção histórica da Ermida de Nossa Senhora do Monte e S. Gens...] e dedicado à memória da rainha D. Estefânia e reeditado em 1893.

Não nos foi possível encontrar elementos mais modernos para sobre êles fazermos melhor referência, mas o que aqui fica deve dar nota do que é êsse pequeno edifício religioso que foi fundado no comêço do século XIII.

Grande Panorama de Lisboa (detalhe), Senhora do Monte e S. Gens e castelo de S Jorge.
Imagem: Museu Nacional do Azulejo

No sopé do Monte, para as bandas do norte, que anteriormente era conhecido por Almocovar e, mais tarde, Fornos de Tejolo, existia um ponto denominado S. Gens, ponto antigamente muito respeitado pelo povo, que o tinha como sagrado em virtude de — consoante a tradição — ser aí que S. Gens, segundo bispo de Lisboa — sentado na sua cadeira, nas primeiras eras do Cristianismo, havia prégado a lei do Crucificado, e também porque era aí que estava colocado o milagroso assento que era, para o povo cristão, um testemunho de quanto devia venerar a memória do bispo, que foi um dos mártires do Cristianismo.

Lisbon from the chapel hill of Nossa Senhora do Monte, Drawn by Lt. Col. Batty, 1830.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Em 1147, quando D. Afonso Henriques tomou a cidade aos mouros, vieram quatro eremitas de Santo Agostinho na armada cristã estrangeira que aproou ao Tejo e ajudou o nosso primeiro monarca nêsse empreendimento.

O povo cristão — que o havia mesmo no tempo da mourama — querendo eternizar a memória do seu tão querido prelado, aproveitou êstes êxitos para oferecer a êsses eremitas um local no sopé do Monte onde havia, em grande adoração, debaixo de um alpendre, a cadeira de S. Gens.

Lisbon from the chapel hill of Nossa Senhora do Monte... 1830 e Panorâmica de Lisboa e do Tejo, 2017 (editado).
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal Eventualmente Lisboa e o Tejo

Os eremitas, atendendo às virtudes do insigne mártir e aos desejos dos moradores daqueles sítios, com os socorros que conseguiram, fizeram aí a sua primeira moradia em 1148, com uma ermidinha ao pé, onde veneravam como padroeira do reino uma perfeita imagem de Nossa Senhora, e dentro dessa ermida colocaram a milagrosa cadeira de S. Gens, que era um assento de pedra, à maneira de espaldas, e bem assim diversas reliquias que, ao que parece, pessoas antigas lhes ofereceram.

Panorâmica de Lisboa e do Tejo tomada do miradouro de Nossa Senhora do Monte e S. Gens, 2017.
Imagem: Eventualmente Lisboa e o Tejo

Essa ermida estava sempre aberta ao culto que era grande, pois muitos devotos, cheios de viva fé, procuravam as virtudes de S. Gens — de quem diremos algurna cousa no fim — e o auxílio da sua cadeira que — segundo reza a lenda era principalmente procurada pelas mulheres em estado interessante, pois lhes dava boa hora.

Foi esta a primeira ermida levantada à memória dêste mártir português, e a primeira residência dos eremitas de Santo Agostinho, com o nome de Eremitório de S. Gens, razão porque o povo mais tarde lhes chamava Frades de S. Gens.

Miradouro da Senhora do Monte e S. Gens em Lisboa, José Artur Leitão Bárcia.
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

Até ao comêço do século XIII, existiram a ermida e o eremitério, e foi nessa data que uma nobre dama — D. Susana — proprietária daquelas vizinhanças — ao ver o desconfôrto em que os frades viviam naquele encovado e pouco salubre lugar, lhes doou tôdas as terras que lhe pertenciam no alto do Monte, para lá residirem e, com o concurso de importantes dádivas dos habitantes daquele ponto, mandou edificar, em 1243, nessa eminência que lhe pertencia, com melhores proporções, outra ermida, em memória dêsse santo bispo, e para esta nova ermida foram passadas tôdas as imagens e a citada cadeira, que, como anteriormente, era, fervorosamente venerada e tornava-se necessário conservar a ermida sempre aberta.

Jardim no miradouro da Senhora do Monte e S. Gens em Lisboa, Paulo Emílio Guedes.
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

Como, porém, aqui a devoção a Nossa Senhora aumentasse, o povo foi-lhe chamando Senhora do Monte.

Transferindo para êste local á sua moradia, construiram celas, e deram-lhes a mesma denominação de Eremitório de S, Gens, removendo a pirâmide que colocaram em frente da actual ermida e em que se lia: 

ULISIPPONE HIC, AUGUSTINENSIUM PRIMA SEDES, A. B. anno 1148

Ermida da Senhora do Monte e S Gens em Lisboa, Paulo Emílio Guedes.
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

mantendo algumas oficinas e celas no sopé do Monte por haver água com abundância e ser o ponto mais próprio para os eremitas idosos.

Mas a supracitada senhora D. Susana, ao saber que no novo erimitório do cimo do Monte não havia água, mandou construir do seu bolsinho uma cisterna.

Foi esta a segunda casa que os eremitas de Santo Agostinho tiveram na capital com a designação de Ereanitório de S. Gens, onde residiram durante vinte e oito anos, até que, em 1271, mudaram para terceira casa, no monte que ficava próximo, no ponto então conhecido por Almafala, mais tarde convento e igreja da Graça.

Ermida da Senhora do Monte e S Gens em Lisboa, José Artur Leitão Bárcia.
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

O convento desapareceu para se tornar — já em nossos dias [1946] — quartel, que tem servido para alojamento de vários regimentos e onde, agora, estão instalados o Conselho Tutelar do Exército e o Corpo de saúde.

Em virtude da saída dos eremitas, em 1271, para o convento da Graça, a igreja de Nossa Senhora do Monte e S. Gens não podia manter-se sempre aberta ao culto, à concorrência e à devoção pela milagrosa cadeira de S. Gens e por isso foi esta colocada num dos ângulos do alpendre, parte da referida Igreja.

N. Senhora do Monte, e S Gens
Luiz Gonzaga Pereira, Descripção dos monumentos sacros de Lisboa, 1840
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Transformada assim só em Ermida, a igreja do Eremitório foi entregue aos cuidados da confraria de S. Gens que — consoante historia Frei Antómio da Purificação, a fls. 110 da 2.a parte da sua "Chronica dos Agostinhos" — já existia, mas foi decaindo a Ermida até que, em 1306, trinta e seis anos depois dos religiosos estarem em Almafala, querendo novamente freqüentar esta ermida, tais dúvidas se suscitaram, que foi preciso recorrer ao bispo D, João Martins Soalhães para lhes ser concedida de novo a sua antiqüíssima posse e dessa data em diante foi a ermida dirigida por um capelão, religioso do referido convento, eleito em capítulo, que aí vivia com um donato.

O terramoto de 1755 arrazou completamente a ermida, ficando sob os escombros o eremita da ordem que acabara de comungar naquele instante e cujo cadáver veio a ser encontrado ajoelhado e com os braços abertos em cruz.

Quanto à imagem de Nossa Senhora — titular também da Ermida — que sempre fôra muito venerada, foi encontrada soterrada sem graves estragos e em cuja honra o padre capelão regente, com o auxílio da muitos devotos, lhe mandou erigir logo, no Monte também, uma capela de madeira aonde, com a máxima decência, foi venerada durante algum tempo, consoante refere João Baptista de Castro no seu "Mapa de Portugal" [Mappa de Portugal, antigo e moderno, Lisboa, Na officina patriarchal de Francisco Luiz Ameno, 1762].

Com a fé e o auxílio dos moradores daquelas circunvizinhanças, se foi tratando de reedificar o arruinado templo, trabalho de que foi encarregado o arquitecto Honorato José Cordeiro e que, como se lê numa pedra que há a encimar a porta travessa, acabou por abrir ao culto em 1757, racolhendo-se a célebre cadeira, do alpendre para o interior da igreja, reservada no ângulo esquerdo debaixo do coro, perto do alpendre, onde ainda hoje se encontra. 

Os frades Agostinhos como senhores dêste local, seu antigo Eremitério, e administradores desta Ermida — plantaram em 1815, no largo, frondoso arvoredo constituído por ailantos, lodãos, amoreiras da China, ulmos, etc. para agrado dos habitantes e recreio dos devotos, pondo na quina externa da Igreja, a um dos lados da porta lateral, a seguinte inscrição:

PATRIAE AVIBUS ET URBI, HOC NEMBUS IN AMOREN DELECTATIONE AUGUSTINIENSI PLANTARUNT ANNO M.DCCC.XV 

Como nota interessante devemos dizer que, presentemente, da inscrição indicada, apenas se lê: 

PATRIAE

Até 1834, data da extinção das Ordens religiosas, era nesta ermida que, no dia próprio, se realizava a festividade a S. Gens e em 8 de Setembro a festa a Nossa Senhora, com tôda a pompa e solenidade, havendo três dias de feira.

Como o govêrno tomasse a si os bens dos religiosos em 1835 e fôssem postos em leilão, Clemente José Monteiro adquiriu a cêrca e diversas casas que os Agostinhos possuiam nêsse monte e a quem o govêrno confiou a Ermida e todos os pertences.

Lisboa, Nossa Senhora do Monte e S. Gens, 2017.
Imagem: Eventualmente Lisboa e o Tejo

Clemente José Monteiro não deixou de festejar Nossa Senhora no dia do seu nascimento, conservando também sempre um capelão que oficiava aos domingos e dias santificados. 

Tendo falecido em 1848, alguns devotos desta ermida reorganizaram a antiga Corporação dos Escravos de S. Gens e Nossa Senhora do Monte, que já em 1271 existia e de que se encontra na ermida um Livro dos Irmãos, começado em 1791, e de que ainda viviam alguns nessa época (1848).

Parece apurado que foi esta confraria que, juntamente com o religioso capelão da ermida, alcançara o Breve de Roma, datado de 30 de Setembro de 1796, que concedia indulgências perpétuas, assinado pelo Papa Pio VI, para memória futura, aumentar a religião dos fiéis e cooperar para a salvação das almas, movidas com caridade paternal na distribuïção dos celestiais tesouros da Igreja.

Este breve estava registado no referido Livro dos Irmãos.

O inventário que Clemente José Monteiro recebeu não indica relíquia alguma das que Frei António da Purificação citava, salvo a famigerada cadeira de S. Gens.

Nesta igreja existem várias imagans e uma esplêndida collecção de 12 telas respeitantes aos Apóstolos, da autoria de Joaquim Manuel da Rocha e, ao lado do Evangelho, em frente da porta lateral, um presépio, que se patanteia, nos dias próprios, ao culto dos fiéis [v. Ernesto Soares, Inventário da colecção de registos de santos, Lisboa, Biblioteca Nacional,1955]. 

Desde 1858 que há nesta ermida uma imagem de Nossa Senhora da Graça, que está no altar do lado da Epístola.

Panorâmica do miradouro da Senhora do Monte e S. Gens sobre o Castelo de S Jorge, Eduardo Portugal.
Imagem: Delcampe

Essa imagem foi trazida por uns devotos lisboetas que, em virtude das febres que tanto assolaram a cidade, da 1856 a 1858, tinham feito um voto de irem todos em romaria com essa imagem ao Monte de Caparica, onde, festivamente, lhe renderiam graças por os haverem livrado — a êles e à cidade — de tal flagelo.

Em 1866 fizeram-se novos restauros.

E parece que nada mais há a acrescentar ao que acima fica exarado a respeito desta bonita ermida, cuja história foi mais de José Joaquim da Silva Mendes Leal do que nossa.

Panorama  de Lisboa visto do Monte de S Gens, ed. Tabacaria Costa, c. 1900.
Imagem: Delcampe

Conforme prometemos, damos uma súmula da vida de S. Gens, colhida no mesmo folheto de 1893.

O bispo S. Gens, primeiro titular desta ermida, nasceu em Lisboa e viveu nos princípios do Cristianismo, tendo sido — consoante alguns historiadores — discípulo de S. Tiago e o segundo bispo de Lisboa, mantendo-se sempre fiel à religião cristã, pela qual se sacrificou.

Panorama do Miradouro da Senhora do Monte.
Imagem: Delcampe

Percorreu vários pontos do país, prégando a lei cristã para angariar adeptos ao seu crédo, atraindo-os pela maneira por que doutrinava a sua fé. Fazendo prodígios em tôda a parte, tornou-se célebre no Monte de Lisboa, aonde, sentado na sua cadeira, era escutado pelo povo da cidade e arredores.

Ao que parece, fôra martirizado em II de Outubro de 66 — no tempo de Nero — com mais cem companheiros.

Detalhe do painel de azulejos datado de 1963 no miradouro da Senhora do Monte.e S. Gens, 2017.
Imagem: Eventualmente Lisboa e o Tejo

É natural que esta notícia esteja antiquada pelo menos 85 [156] anos, mas é natural também que não o esteja, pois supomos que a ermida está como a conhecemos há 26 [97] anos. (1)


(1) Henrique Marques Junior, Olisipo n.º 33, janeiro de 1946

Leitura adicional:
Joaquim José da Silva Mendes Leal, Descripção histórica da Ermida de Nossa Senhora do Monte e S. Gens... Lisboa,, Imprensa Commercial, 1860
João Bautista de Castro, Mappa de Portugal, antigo e moderno (Tomo Segundo), Lisboa, Na officina patriarchal de Francisco Luiz Ameno, 1762
Pinto de Carvalho, Gustavo Matos Sequeira, Luís Pastor Macedo, Lisboa de outrora, Lisboa, Grupo de Amigos de Lisboa, 1938-1939
Miradouros de Lisboa, Ilustração Portuguesa n.° 861, 19 de agosto de 1922
Miradouros de Lisboa, Revista municipal n.° 88, Lisboa, 1961